Você é capaz de provar que a fé não é verdadeira?
Sua pergunta não faz sentido ao menos que você defina fé.
"Verdade" é, em resumo e grosso modo, uma propriedade de proposições, sentenças, enunciados. A sentença "existe um sapo azul voador na Amazônia" deve ser verdadeira ou falsa.
Sua proposição "a fé é verdadeira" só pode fazer sentido se você me disser que fé é alguma coisa específica como acreditar num deus ou acreditar nos dogmas do cristianismo, mesmo não havendo evidência alguma para isso. Vamos assumir que seja isso o que você queria dizer.
Bem... eu proponho um problema: como diferenciar a sua fé da crença de um esquizofrênico em seus delírios?
Como diferenciar a revelação (que justifica a fé) do processo delirante do esquizofrênico?
Tomemos um exemplo de esquizofrênico: Estamira, retratada no documentário de Marcos Prado: http://aguarras.com.br/2006/08/06/a-lucidez-na-loucura-de-estamira/
Estamira acredita, por exemplo, que o planeta é um ser consciente. Ela diria que isso lhe foi revelado. Há várias crenças análogas em outros esquizofrênicos e outros transtornos psiquiátricos, por exemplo a crença de que há uma conspiração e perseguição contra o sujeito transtornado.
São com essas crenças que o sujeito transtornado explica os mistérios do mundo. Enquanto isso, a fé consiste exatamente na contemplação dos mistérios esperando que dentro deles haja respostas agradáveis, ou respostas que reafirmem algum dogma adotado.
O "filósofo" cristão William Lane Craig diz, por exemplo, que ele sabe que o cristianismo é verdadeiro porque o "espírito santo" fala no "coração" dele. Ele diz inclusive que isso o faz continuar acreditando no cristianismo mesmo se as evidências apontarem que o cristianismo é falso. Para um observador externo não é muito diferente do que a Estamira diz sobre o que ela acredita, já que não se pode demonstrar com evidências ou racionalmente as crenças da Estamira nem as crenças do Craig.
A maioria dos teólogos falam sobre a fé como algo paralelo à razão, mas não algo que faz parte da razão, justamente para poderem justificar dogmas.
Nenhum deles teve a mente aberta suficiente para considerar a possibilidade de a fé ser um outro nome para a perpetuação do delírio e da fantasia (algo que seja parecido com o que sofre Estamira). Não que todos os religiosos sejam delirantes, mas eles perpetuariam uma crença que é indistinguível de uma crença que pode ter sido inventada por uma Estamira no passado e sobrevivido ao longo das gerações pela doutrinação.
A maioria dos teólogos, senão todos, assume simplesmente, por exemplo, que Deus existe, ou a Trindade, e parte dessa premissa para diante. Assim como Estamira assume a partir de seu quadro esquizofrênico que a Terra é viva e consciente.
A origem de crenças quaisquer ou alegações sobre o mundo pode ser chamada em filosofia da ciência de "contexto de descoberta".
Não estamos falando de ciência, mas de suposto conhecimento religioso. Então eu me pergunto: qual é a diferença entre o "contexto de descoberta" da esquizofrênica Estamira e o "contexto de descoberta" da revelação que sustenta tão firmemente a fé de William Lane Craig e outros cristãos?
A minha resposta é: não há diferença alguma. Embora nem todo religioso seja delirante, ao ter fé ele deposita confiança em proposições que podem muito bem ter vindo do contexto de descoberta de gente como Estamira.
Não há, portanto, diferença demonstrável entre fé em delírios e fé em dogmas revelados. Justamente por isso a fé historicamente desestimulou o avanço do conhecimento funcional sobre o mundo (conhecimento científico).
Primeiro porque a fé é um estado de "arrogância epistêmica" por tentar sustentar conhecimentos em áreas em que na verdade há ignorância. Afinal de contas, a fé é usada para dar a impressão de certeza absoluta sobre alguma coisa, geralmente algum dogma religioso, e é simplesmente improvável que um ser tão inexato quanto o ser humano tenha acesso a coisas tão exatas quanto certezas absolutas.
Portanto, abdicar da fé é dar espaço à dúvida - e todo conhecimento que se preze é duvidoso, mesmo que de forma mínima. E digo mais, é apenas assim, com o abandono da fé, com o abandono da arrogância de afirmar certeza absoluta sobre o que existe no mundo não observável, que alguém pode realmente se deparar com o tamanho de sua ignorância.
Conhecer o universo que nos cerca demanda que primeiro possamos estimar quão grande é nossa ignorância, e isso, historicamente, a fé apenas desestimulou.
Fés diferentes alegam coisas diferentes e ainda pedem que você não duvide. Conhecimento firme é aquele que passou pelo teste da dúvida. Por isso, ter fé não é saber. Ter fé é enganar-se. Pergunte-me qualquer coisa.