"Conhece-te a Ti mesmo e conhecerás todo o universo e os deuses, porque se o que procuras não achares primeiro dentro de ti mesmo, não acharás em lugar algum"- frase do Templo de Delfos na Grécia. Concorda?
Não.
O universo é bem maior que nós. Conhecendo a nós mesmos não vamos saber o que está se passando nas galáxias do Campo Ultraprofundo do Hubble, que só vemos por um "retrato" que foi tirado delas há 10 bilhões de anos, que é a luz que está chegando aqui.
Conhecendo a nós mesmos, porém, podemos chegar a um limite importante: conhecer o que é conhecer. Dessa forma, observando/teorizando nossa própria capacidade de conhecer, teremos, eu penso, uma pista dos limites das nossas próprias mentes de destilar a ordem do mundo.
Como todo poeta sabe, há limites para o que as palavras podem expressar. Eu digo que há limites para o que os conceitos podem descrever e prever - os conceitos, unidades básicas do conhecimento, são sempre dotados de uma margem de imprecisão, que é variável entre eles.
Comparações de diferenças e igualdades são a base conceitual da estatística que auxilia os testes de hipóteses científicas, usados canonicamente nas ciências naturais. Einstein, por exemplo, trabalhou com a mecânica estatística depois de pensar no movimento browniano - batizado assim por causa da descoberta do naturalista Brown, que observou num microscópio que grãos de pólen se movem aleatoriamente mesmo numa água de placa de petri aparentemente estática a olho nu. Isso foi usado mais tarde na mecânica quântica.
O acaso existe sim, passa bem e manda um alô.
Os fenômenos naturais que estão em escalas nanométricas e em escalas de anos-luz nos são em muitos sentidos inescrutáveis. Ou melhor: são para nossos sentidos inescrutáveis, ainda que sejamos capazes de prevê-los e descrevê-los com precisão com o auxílio da estatística e outras ferramentas lógico-matemáticas.
Estou começando a trabalhar com genes ligados ao comportamento humano. A maior parte do conhecimento na área vem de estudos de associação, ou seja, estudos que mostram que pessoas que apresentam um certo comportamento (como por exemplo o transtorno de déficit de atenção e hiperatividade) têm uma tendência estatisticamente significativa de ter uma certa variação de um gene ou de uma região do DNA que não está presente nas pessoas que não apresentam este comportamento. O comportamento, como a maior parte das nossas características interessantes, sofre a influência não de um, mas de centenas, milhares de genes ao mesmo tempo, e ainda do que nós, ingenuamente e esperançosamente, chamamos de ambiente (um conceito de alta imprecisão, na minha opinião).
A genética do comportamento é uma das ciências nas quais nós nos dedicamos a conhecer a nós mesmos.
Hoje à tarde eu estava conversando com cientistas que trabalham nesta área há anos, e eles são plenamente conscientes de que o conhecimento que estão produzindo está engatinhando. Ainda vamos demorar muito para conhecer a nós mesmos completamente ou ao máximo possível. Isso não é apenas metalinguagem, é metaontologia.
Sobre conhecer a si mesmo num sentido reflexivo, eu penso que estamos enganando a nós mesmos quando achamos que vamos realizar isso apenas com a instrospecção. Você não conhece a si mesmo sentado na sua poltrona dentro de casa, pensando com seus botões.
Você conhece a si mesmo quando sai porta afora e vai se deixar marcar pelo açoite e pelo afago do tempo.
O sábio, no fim da história, não estava enfurnado lá no alto da montanha. Ele estava pulando de pára-quedas ou apertando os botões da urna eletrônica domingo passado.
Os sábios estão entre nós. Procure-os. Pergunte-me qualquer coisa.