Teologia do Coração
"Por mais ardentemente que eu, ou toda a humanidade, possa desejar uma coisa, por mais que seja necessária para a felicidade humana, isso não é base para supor que essa coisa exista. Não há lei da natureza que garanta que a humanidade deva ser feliz. Todos podem ver que este é o caso da nossa vida aqui na Terra, mas por uma guinada curiosa nossos próprios sofrimentos nessa vida são transformados em argumento para uma vida melhor no além. Não devemos empregar tal argumento em qualquer outra situação. Se você tivesse comprado dez dúzias de ovos de um homem, e a primeira dúzia estivesse toda podre, você não concluiria que as nove dúzias restantes devem estar com qualidade excelente; ainda assim esse é o tipo de raciocínio que 'o coração' encoraja como uma consolação para nossos sofrimentos aqui em baixo.
Da minha parte, prefiro o argumento ontológico, o argumento cosmológico e o resto do velho estoque [de argumentos pela existência de Deus] à ilogicalidade que começou com Rousseau. Os velhos argumentos ao menos eram honestos: se válidos, provavam seu ponto; se inválidos, estava aberto a qualquer crítico prová-lo. Mas a nova teologia do coração dispensa argumentos; não pode ser refutada, pois não professa ter provas para seus pontos. No fundo, a única razão oferecida para sua aceitação é que ela nos permite desfrutar de sonhos prazerosos. Essa é uma razão indigna, e se eu tivesse de escolher entre Tomás de Aquino e Rousseau, ficaria sem hesitar com o santo."
Bertrand Russell, A History of Western Philosophy. Tradução minha.