Só existe uma forma robusta de fazer valer a liberdade de expressão no mundo
Recuse imitações
“Discordo da noção americana de liberdade de expressão”, eles dizem. “Prefiro a europeia”, eles completam.
Aí olhamos o que faz a Corte Europeia dos Direitos Humanos (CEDH). E eu nunca me canso de contar este caso:
Em 2012, uma mulher conhecida pelas iniciais E. S. foi condenada por um tribunal da Áustria por “escarnecer de preceitos religiosos”. O nosso Código Penal prevê prisão de um mês a um ano para quem fizer o mesmo, mas, até onde sei, o dispositivo é pouco acionado (até interessar às autoridades acionar — o Brasil é um campo minado de letras mortas que ressuscitam ao sabor da conveniência de quem estiver no poder).
Pois bem, E. S. foi enquadrada porque afirmou que o profeta Maomé era pedófilo. Ela apelou para a CEDH. E a corte, com seu belo conceito europeu de liberdade de expressão, manteve a condenação em 2018.
Como colocou o jornalista Graeme Wood, contando o caso na revista The Atlantic na época da decisão, “tradições dominantes islâmicas aceitam que a terceira esposa de Maomé, Aisha, tinha 6 anos de idade no momento do casamento, e 9 na época da consumação” do casamento. Maomé estava com 50 e poucos anos, dizem as fontes. Não preciso explicar o que “consumação” significa, aqui.
Há vertentes islâmicas que dizem que Aisha era bem mais velha ao se casar, mas são vozes minoritárias.
E. S. foi condenada na Áustria a pagar 480 euros de multa ou passar 60 dias na cadeia. A Corte Europeia dos Direitos Humanos entendeu que isso não violava os direitos dela.
Wood completou que isso não era novo, “essas normas e leis apodreceram muito antes da crise de refugiados na Europa, antes da demonização da União Europeia por partidos nacionalistas, antes que qualquer pessoa pensasse que procurar pelos podres de um comerciante árabe do século VII era uma questão de urgência política na Viena moderna. Leis europeias (e, na verdade, leis na maior parte do mundo) há muito tratam a liberdade de expressão como um direito dispensável e bastante alienável”.
Eis um trecho da decisão da CEDH no caso:
“Ao acusar Maomé de pedofilia, [E. S.] meramente buscava difamá-lo, sem dar evidências de que seu interesse sexual primário em Aisha era porque ela não tinha ainda atingido a puberdade ou que suas outras esposas ou concubinas seriam similarmente jovens. Em especial, [E. S.] desconsiderou o fato de que o casamento com Aisha tinha continuado até a morte do Profeta, quando ela já tinha feito 18 anos e, portanto, passado pela puberdade.”
Ou seja, a austríaca, antes de exercer seu direito de falar o que pensa de Maomé, tinha que provar que ele tinha uma preferência sexual persistente por crianças, pois pedofilia é isso. Abuso sexual de menores não é necessariamente pedofilia. Uma distinção extremamente importante! Ao ponto de justificar uma censura.
Comentário do Wood: “a Áustria estava lutando para se livrar de sua reputação de ‘terra das masmorras eróticas’. Não acho que ‘terra da pedofilia definida em sentido estrito’ é grande melhoria”.
Um alerta: até ser usada, a lei da Áustria também era considerada letra morta.
Só existe um modelo não contraditório de liberdade de expressão no mundo, que não cria sementes que germinam em censura e tirania. O resto é fraude.
É aquele modelo que não codifica proteção a sentimentos subjetivos, pois sabe que o coração partido é facilmente fabricado para calar a boca dos outros. É aquele que não tenta escolher quais ideias são permitidas no espaço público, prejudicando a liberdade dos ouvidos alheios de fazer sua própria seleção em um livre mercado das ideias. Aquilo que ata línguas arbitrariamente também fecha ouvidos arbitrariamente.
A seleção arbitrária das ideias respeitáveis inevitavelmente privilegia algumas ideias sobre outras, e as autoridades sempre serão enviesadas sobre quais são as ideias que valem a pena — parece que sempre pensam que aumentar os impostos é uma delas.
Em suma, os americanos e sua Primeira Emenda estão corretos. Não consigo nem imaginar como fundadores do país deles, ou pilares da cultura ocidental, ficariam do lado da CEDH em vez de defender o direito de E. S. de pensar e expressar o que é ofensivo para outros.
A União Europeia, o Brasil e, se quiserem, até o Papa e o Aiatolá estão errados em sua mania de mordaça.