Sim, macroevolução já foi observada em laboratório
"Crocopato", imaginado pelo criacionista Kirk Cameron e imortalizado nesta imagem do Worth1000.
Os criacionistas não diferem de uma substancial parte dos leigos em ciência na questão da "síndrome da escala intermediária". Ou seja: se não é uma coisa na escala imediata da percepção, então se dá pouca importância, ou se compreende mal, ou se tem pouca vontade de compreender. É mais ou menos por esse motivo que sempre que se fala em biologia, o último reino que as pessoas costumam lembrar é o Monera.
A acusação da moda dos criacionistas é que não existiriam evidências de "macroevolução", ou seja, de grandes mudanças, mas apenas de "microevoluções", ou seja, aceitam que a seleção natural ou outros mecanismos evolutivos possam criar a diferença entre duas populações de uma mesma espécie, mas não entre diferentes espécies. Esta acusação assume várias formas, a mais estúpida é "não se observou evolução em laboratório" (e geralmente a pessoa está imaginando algo como um crocodilo virando um pato).
O melhor exemplo de macroevolução em laboratório é justamente do reino Monera. Então juntam-se dois bloqueios: não se aceita como evidência porque não se quer (a capacidade humana para ignorar o que não se encaixa em sua visão de mundo é enorme), e não se aceita porque não é um "crocopato", mas um ser bem distante da escala a que estamos acostumados: células com o comprimento na escala de um metro dividido por um milhão de partes.
O exemplo é este: um experimento de 22 anos acompanhou passo a passo o surgimento de novas adaptações em linhagens da bactéria Escherichia coli ( http://en.wikipedia.org/wiki/E._coli_long-term_evolution_experiment ). Quando digo passo a passo, quero dizer que congelaram um amostra de cada geração. Depois de mais de 20 mil gerações, uma das linhagens submetida a condições de desnutrição (falta de carbono) apresentou uma novidade: a capacidade de extrair o carbono que precisa de moléculas de ácido cítrico, na presença de oxigênio.
Para dar uma ideia do tamanho desta mudança, é preciso saber duas coisas: (1) classicamente, espécies (unidades taxonômicas operacionais) de bactérias são definidas por seu metabolismo, ou seja, pela capacidade de consumir ou não certas substâncias em condições controladas. (2) A incapacidade de metabolizar o ácido cítrico do meio de cultura é uma das coisas que permite a um microbiologista dizer a diferença entre esta bactéria, que é geralmente inofensiva e é encontrada naturalmente em fezes, e a Salmonella, famosa por ter linhagens que causam intoxicação alimentar.
Um microbiologista desinformado, ao se deparar com essa linhagem de Escherichia coli que resultou desse experimento de evolução em laboratório, estaria tão confuso ao tentar identificá-la quanto um ornitólogo que topasse com um tucano exibindo mamas, ou quanto um botânico que visse uma samambaia produzindo frutos.
É, portanto, macroevolução (não foi apenas uma mutação, a seleção natural precisou trabalhar com mais do que isso para fazer uma mudança desse tipo). E tempo não faltou: 22 anos são verdadeiras eras geológicas para bactérias. Em gerações humanas, daria 500 mil anos. Portanto o sr. Darwin continua certo: grandes mudanças precisam de grande tempo, geralmente. E grandes mudanças são, em princípio, o resultado de pequenas mudanças acumuladas, embora possam ser mais que isso.
Criacionistas não são apenas pessoas que acreditam que Deus criou os seres vivos (Deus pode muito bem ter criado as espécies usando a evolução, por que não?): são pessoas que fazem uma salada de religião com ciência, em que a primeira leva vantagem, e a segunda sai machucada. E essa invenção de que não há evidência que sustente a macroevolução é, como mostrou esse experimento e mostram muitas outras evidências, no máximo um palpite desinformado, e, como sugeri, contaminado com a "síndrome da escala intermediária".
Não vou ofender os cegos dizendo que o pior cego é o que não quer ver, concluo dizendo que a pior crença é aquela em franca contradição com o que pode ser lido na natureza.
(Publicado no meu extinto Facebook em abril de 2013.)