Há algo de muito errado na recomendação de salário mínimo do Dieese
A alegação de que famílias brasileiras deveriam ganhar R$6.388,55 de salário mínimo se assenta em bases questionáveis
O Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) regularmente aparece na imprensa dizendo, por exemplo, que o salário mínimo necessário (sic) para sustentar uma família deveria ser um valor bem acima do atual. Ao escrever esse texto em 2022, sua proposta para o salário mínimo necessário foi de R$6.388,55 ao passo que o salário mínimo federal está em R$1.212,00. Investiguei de onde vem esse valor, que basicamente é calculado em cima do valor de uma cesta básica definida durante o Estado Novo.
No site do próprio Dieese encontramos sua metodologia de cálculo. Essa recomendação tem por base o Decreto-Lei 399/1938 aprovado por Getúlio Vargas em pleno Estado Novo, em 30 de Abril de 1938, e que ainda está em vigor. Esse decreto define salário mínimo como o valor necessário para pagar as despesas diárias de um trabalhador com cinco elementos somados:
alimentação;
habitação;
vestuário;
higiene;
transporte.
Desses elementos, o decreto dá especial atenção à alimentação no artigo 6º, parágrafo primeiro, determinando a “lista de provisões, constantes dos quadros anexos, e necessárias à alimentação diária do trabalhador adulto”, ou seja, o que definimos hoje como uma cesta básica. Apesar do quadro citado não estar disponível no site do governo, o Dieese nos ilumina, já nos trazendo as quantidades mensais:
Conforme dito anteriormente, a determinação do custo de uma cesta básica é o ponto central do cálculo do salário mínimo necessário do estudo do Dieese. O departamento então vai a campo em diversas cidades do país pesquisando o preço dos itens discriminados no quadro do Decreto-Lei de Getúlio. Para o mês de julho de 2022, seus resultados foram divulgados conforme tabela abaixo:
Podemos ver grande variação no preço desta cesta básica no país, desde São Paulo, com a cesta básica mais cara, em R$760,45, até Aracaju, em R$542,50. Esses valores indicam quanto custaria para uma pessoa se alimentar em um mês, segundo o padrão getulista de 1938, nos dias de hoje.
Continuando o caminho do Dieese para chegar ao valor do salário mínimo necessário, a definição de salário mínimo do decreto de Getúlio é complementada pelo artigo 7º, inciso 4, da Constituição de 1988. Ali está definido que a remuneração mínima deverá atender às necessidades básicas do trabalhor e sua família, incluindo moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social. A inovação está na nova abrangência do salário mínimo, que deverá também sustentar a família do trabalhador, e nos quatro elementos a mais: educação, saúde, lazer e previdência social.
O Decreto-Lei de 1938 determina que o salário mínimo é para uma pessoa, e a Constituição, para uma família. Para resolver essa incongruência, o Dieese precisa definir o que é uma família. A definição utilizada por eles é de dois adultos e duas crianças, onde as duas crianças somadas são consideradas um adulto. Logo, a definição de “trabalhador e sua família” passa a ser três adultos e portanto o salário mínimo definido em nossa Constituição vigente deverá garantir, entre outras despesas, o custo diário com alimentação de três adultos, ou seja três cestas básicas do Decreto-Lei de 1938.
Como vimos, a alimentação é apenas um dos elementos que devem ser providos pelo salário mínimo. Como determinar quanto será necessário para prover os outros elementos? Para isso, o Dieese utiliza uma Pesquisa de Orçamento Familiar (POF) feita por eles mesmos na cidade de São Paulo em 1994 e 1995. Nela, o Dieese concluiu que a alimentação do trabalhador e sua família consumia 35,71% de sua renda mensal, aproximadamente um terço. Portanto, presumindo que no período dessa pesquisa os preceitos da Constituição de 1988 estavam sendo seguidos, os outros elementos (moradia, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social) estariam sendo supridos com o restante da remuneração do trabalhador.
Com isso temos que um salário mínimo necessário para o Dieese corresponde, primeiramente, ao valor de uma cesta básica multiplicado por 3, para sustentar três adultos. Em seguida, divide-se esse valor por 0,3571, pois as despesas da família com alimentação devem ser apenas 35,71% de sua renda. Invertendo esse processo a partir do valor do salário mínimo necessário divulgado pelo Dieese de R$6.388,55, temos o valor da cesta básica da cidade de São Paulo de R$760,45.
Cabe agora nos perguntar:
O salário mínimo necessário do Dieese é o mínimo necessário em outros estados da federação?
Nada mudou de 1995 para cá nos custos com alimentação dos paulistanos? Desde de 1995 aproximadamente um terço da renda dessas famílias é destinada a alimentação?
Por que não se usam pesquisas de orçamento familiar de outros municípios, ou uma média estadual ou nacional (do próprio IBGE), para calcular que proporção da renda é gasta com alimentação?
Qual é a taxa de fecundidade média das brasileiras ou qual é a composição familiar média brasileira segundo o IBGE?
Se educação, saúde e previdência social são direitos garantidos por lei em nossa Constituição, por que o trabalhador brasileiro deve despender horas de trabalho para os adquirir?
O que é lazer do trabalhador? Comprar The Elder Scrolls está incluído?
Você come 90 bananas por mês? E 6 kg de carne?
Por que a imprensa divulga esse número sem contextualização?
Para que serve esse número se ninguém o leva a sério há anos?
Usar uma cesta básica definida em 1938 como base é a melhor maneira de calcular quanto deve ser um salário mínimo?
Empresas empregam pessoas para trabalhar e gerar receita. Caso você não tenha qualificação para gerar receita suficiente que banque um salário mínimo, o que você faz? Vai para a informalidade? Fica desempregado?
Qual é o grupo de pessoas menos qualificada e que não tem acesso a um salário mínimo?
A recomendação anual do Dieese parece servir mais como um mecanismo de pressão para imposição centralizada de um salário mínimo descolado da realidade. Se as perguntas levantadas aqui fossem respondidas na metodologia do Dieese, talvez suas propostas seriam mais concretas para a economia brasileira.
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Recomendação do Eli: leia também este texto de Luan Sperandio em que ele comenta um estudo que mostrou que um terço do desemprego pode ser causado pela imposição de salário mínimo nos países que a têm.
O PIB do BR (em 2021) foi de 8,9 tri. (https://www.ibge.gov.br/explica/pib.php)
A população economicamente ativa é de 95,747 mi em dez/21 (https://www.gov.br/fazenda/pt-br/centrais-de-conteudos/publicacoes/conjuntura-economica/emprego-e-renda/2022/informativo-pnad-jan2022.html#:~:text=Compara%C3%A7%C3%A3o%20Interanual%20%2D%20A%20taxa%20de,PO%20registrou%20alta%20de%209.4%25.)
Isso faz com que o PIB por pessoa em atividade econômica seja de R$ 92.953,30 por ano.
Isso dá aproximadamente R$ 7.700,00 por mês por pessoa em atividade.
A proposta, portanto, é um absurdo, porque é basicamente uma divisão igualitária compulsória da (reduzida) produção econômica brasileira.