Por que existem bissexuais? O que diz um novo estudo genético
Estudo da revista Science Advances investiga a genética da bissexualidade
Em algum bate-boca no Facebook na década passada, lembro uma vez que algum militante ridicularizou meu interesse em genética da homossexualidade, ou minha insistência de que o comportamento sexual humano tem algo a ver com biologia, apontando para o fato de que eu estudava insetos (para ser mais preciso, artrópodos) na Universidade de Cambridge. Meu estudo, na verdade, tratava de parasitas sexuais dos artrópodos, as bactérias Wolbachia, Cardinium e Rickettsia. O “argumento” do militante era algo como o que Djamila Ribeiro, musa identitária que veste Prada, disse sobre mim: que biólogo não tem nada a dizer sobre o gênero, tem mais é que se ocupar do jacaré do papo amarelo.
Em 2016, em um dos meus encontros na cafeteria da Biblioteca Britânica com minha amiga Helen Pluckrose, expliquei que a Wolbachia é capaz de fazer insetas virgens parirem, o que nós biólogos chamamos de partenogênese. “Então, é a bactéria do Espírito Santo”, eu disse, comparando o fenômeno à Imaculada Conceição de Maria. Um sujeito com o ouvido ligado na nossa conversa, em outra mesa, riu alto. Eu decoro essa memória na minha biografia com o orgulho de quem veste uma medalha do Nobel.
Mas o preconceito dos militantes é, mais uma vez, pura ignorância. Não é preciso ler nada: basta ter visto o filme biográfico Kinsey (2004), em que Liam Neeson interpreta o pioneiro da sexologia Alfred Kinsey, para saber que ele, também, começou estudando vespas.
Um novo estudo da genética da bissexualidade na revista Science Advances tem como primeiro autor o chinês Siliang Song, que faz doutorado na Universidade de Michigan, no laboratório de outro chinês também autor do artigo, Jianzhi Zhang. Eis o que Song diz em seu site sobre si mesmo: “Quando eu era menino, era fascinado por insetos. A extraordinária diversidade de morfologia e comportamento [deles] tem grande apelo para mim.”
Não é surpresa para mim quem quem estuda sexo e sexualidade tenha curiosidade pelos insetos. Como disse Benjamin B. Normark no primeiro capítulo do livro The Evolution of Insect Mating Systems (OUP, 2014), os insetos “presumivelmente possuem uma variedade maior de sistemas genéticos que todos os outros animais juntos”. Ele segue essa afirmação com um glossário de modos de reprodução de insetos, cito alguns só para testar a paciência dos leitores: apomixia, arrenotoquia, automixia, diplodiploidia, ginogênese, haplodiploidia, hibridogênese, telitoquia e pseudogamia.
O que Song e Zhang descobriram
Há diferentes hipóteses para explicar o comportamento sexual minoritário que parece desafiar a lei da reprodução na evolução. Os autores nos poupam tempo apontando para uma das mais corroboradas, que é de seu interesse: “Zietsch et al. [et al. = e colaboradores] detectaram [em 2021] uma correlação genética positiva entre comportamento sexual com o mesmo sexo e o número de parceiros sexuais entre indivíduos que têm comportamento sexual com o sexo oposto exclusivo”. Simplificando: os genes que estão por trás da homossexualidade também estão por trás de alguma coisa que faz seus pais (mais precisamente suas mães), heterossexuais, terem mais filhos.
É por isso que os gays exclusivos não somem: os genes que explicam sua atração por pessoas de seu mesmo sexo também explicam um incremento no número de filhos de seus ancestrais e parentes. Ter mais filhos é algo que a seleção natural com segurança não ignoraria: esta maior fecundidade é a adaptação, e a homossexualidade é o efeito colateral dessa adaptação.
E quanto ao interesse sexual em ambos os sexos, a bissexualidade? Aqui, os autores começam a inovar. Citando trabalhos anteriores que sugeriram que a bissexualidade é, sim, algo distinto de homossexualidade ou heterossexualidade, eles analisaram uma base de dados com as sequências do DNA de 500 mil britânicos, e encontraram evidências de que “o comportamento bissexual e a homossexualidade exclusiva são não-idênticos geneticamente, justificando uma análise separada dessas duas características”.
Quem perde aqui é o próprio Kinsey, famoso proponente de uma escala que classificava as pessoas em diferentes graus de bissexualidade em um espectro contínuo entre homossexualidade e heterossexualidade. A realidade não está obrigada a seguir esqueminhas intelectuais de classificação. A genética mostra que as orientações sexuais são discretas (no sentido de serem categorias distintas, não no sentido de não contar para ninguém o que fizeram no escurinho), não contínuas ou, como é moda dizer hoje, um espectro. O único espectro, aqui, é o da ideologia assombrando a ciência.
Como é de se esperar, o biobanco do Reino Unido mostra que há uma penalidade do número de filhos tidos por homossexuais exclusivos. Bissexuais têm mais filhos que gays nessa amostra, e menos filhos que heterossexuais. Isso é especialmente verdadeiro para os homens: os bissexuais têm 1,25 filho em média, enquanto os gays têm menos de 0,25 e os héteros, 1,86.
Apesar de homens bissexuais terem menos filhos que os héteros, há um sinal importante de correlação genética que mostra uma vantagem reprodutiva da bissexualidade masculina sobre a feminina. Por quê? Os autores investigaram e propuseram um mecanismo que subjaz a esse fenômeno: a maior propensão masculina a correr riscos. Nas palavras deles: “a predisposição genética ao comportamento masculino de correr riscos influencia positivamente [ou seja, cresce junto com] tanto o comportamento bissexual quanto o número de filhos”. Existe uma correlação de base genética entre ser homem e correr riscos, e ser um homem que gosta de homens e correr riscos. (Não estamos falando só de pular de paraquedas aqui, essa propensão a correr riscos também pode explicar em grande parte por que há mais CEOs homens que mulheres.) Os dois chineses concluem que as evidências sugerem que “a bissexualidade masculina é um subproduto da seleção favorável ao comportamento masculino de correr riscos”.
Essas correlações genéticas são moderadas. Entre o mínimo possível de 0 e o máximo possível de 1, elas estão entre 0,15 e 0,48. Para esse tipo de fenômeno, não é pouca coisa.
E quanto à homossexualidade? Eles mostraram que ela de fato leva a menos filhos, como qualquer pessoa esperaria. Isso deveria chamar a atenção da seleção natural, levando a uma eliminação do comportamento na população, certo? Não exatamente. Pode ser que a base genética por trás da homossexualidade compense essa desvantagem com outras vantagens, como a já discutida das mães dos gays terem mais filhos. Com esse banco de dados, no entanto, os autores não conseguiram corroborar essa ideia, talvez por terem usado métodos diferentes para calcular correlações genéticas. Pode ser que a homossexualidade tenha sido adaptativa no passado, mas não é mais hoje, então pode estar sob pressão seletiva para diminuir em frequência. Pode ser que seja simplesmente neutra: não atrapalha nem ajuda na sobrevivência e na reprodução, então simplesmente persiste: a seleção natural também pode ser tolerante diante da neutralidade.
Por que os resultados valem para homens, não para mulheres? É que mulheres são um pouco mais complicadas. Sexólogos como J. Michael Bailey até discutem se o termo “orientação sexual” vale mesmo para as mulheres. Mulheres que são heterossexuais intrigam os pesquisadores ao mostrar excitação sexual ao menos fisiológica em resposta a estímulos visuais homoeróticos (pornografia lésbica). A ideia geral é que as mulheres são mais flexíveis que os homens nisso. É possível que a cantilena antibiológica dos ativistas e dos psicanalistas para a orientação sexual em geral, que as pessoas “nasceriam” bissexuais e seriam “socializadas” na heterossexualidade, tenha alguma validade (alguma, não validade perfeita) para as mulheres em particular. Um dos principais estudos disso, que descobriu pela lubrificação vaginal que as mulheres héteros se excitavam com pornografia lésbica, também mostrava que, na medida da dilatação da pupila, elas ainda preferiam homens. Em resumo, homens são mais estudados neste assunto não por causa de conspiração do patriarcado, mas porque são mais “simples”, mais facilmente categorizáveis.