O ódio ao ódio é uma tolice
Respondendo a uma das armas retóricas hiperbólicas mais usadas hoje
Temos uma palheta de emoções, a maior parte delas negativas. No curso da nossa evolução, a sobrevivência e a reprodução foram favorecidas pelo surgimento desses motivadores especialmente quando nos faziam sofrer.
O nojo evoluiu naqueles que evitavam fontes de doenças: fezes, pus, alimentos apodrecidos. Interessantemente, na mente humana, foi adaptado para também se manifestar como repulsão a comportamentos imorais.
A raiva é associada à agressão, e ela evoluiu tanto no contexto da competição entre indivíduos e grupos quanto no contexto da proteção dos filhotes.
Já a vergonha claramente é um modulador social: nos ajuda a perceber nosso lugar na hierarquia social, temer a retaliação dos outros pelo nosso comportamento, na verdade, já é essa retaliação, internalizada. A inveja vai na direção contrária: nos motiva a destruir quem está mais alto na hierarquia, ou a disputar a posição deles.
O ódio é uma das emoções mais extremas. É uma raiva, um nojo ou uma inveja com elevação à potência máxima. Numa era em que as hipérboles circulam livremente como porrete para dar na cabeça de inimigos políticos (“fascista”, “nazista”, “genocida”, “comunista” etc.), não é surpresa que a atribuição de ódio seja parte desse arsenal.
Ontem, eu vi uma conta com uma foto da Margaret Thatcher alegando que a “esquerda” é movida pelo ódio. A tal “esquerda”, diariamente, acusa de ódio, por exemplo, quem defender liberdade de expressão para ideias das quais não gosta. Na maior parte das vezes, como é de se esperar de uma hipérbole, essa atribuição de ódio é falsa.
No uso dos progressistas, é falsa porque o preconceituoso, se é que se está realmente diante de um, raramente odeia o alvo de seu preconceito. É mais provável, no caso de um homofóbico, que ele sinta nojo ao olhar para uma carícia entre duas pessoas do mesmo sexo (famosamente, só se forem do sexo masculino, enquanto na vida privada ele pode até se masturbar diante da imagem de duas mulheres). Esse nojo, ironicamente, pode resultar em parte da empatia: ele se põe no lugar dos gays, mas não é gay, e reage assim. Irônico que uma emoção que os progressistas resolveram sacralizar, a empatia, possa ter esse efeito. Não que eu pense que explique todo homofóbico do sexo masculino. Mas é uma hipótese viável que proponho e deveria ser testada. De qualquer forma, Paul Bloom explica por que a empatia não deve ser vista como sempre benigna.
Já no uso de pessoas opostas ao progressismo, a hipérbole do ódio é falsa porque nós já temos estudos empíricos a respeito do que motiva as pessoas favoráveis a programas de “redistribuição”: é em primeiro lugar a inveja, em segundo lugar a compaixão. Porém, essa compaixão não leva esse grupo a doar mais para os pobres — os progressistas não são os campeões da caridade. É mais um exibicionismo moral. De qualquer forma, ódio, que certamente existe neste, como em qualquer grupo, não é a resposta emocional padrão do grupo, nem pode ser, afinal de contas é uma emoção extrema.
Finalmente, precisamos lidar com o aspecto mais infantil da moda do ódio ao ódio: a ideia disneyana de que emoções positivas são moralmente boas e emoções negativas são moralmente ruins. Isso, como já ficou claro na breve discussão da empatia, acima, é uma expectativa irreal. Uma pessoa pode fazer coisas erradas por amor, e coisas corretas por ódio. Não é imoral odiar o estupro, o assassinato, a corrupção e a própria imoralidade extrema. Não é moral amar o estuprador, o assassino, o corrupto, especialmente quando esse amor lhe dá licença. Há debates interessantíssimos sobre a relação entre razão e emoções, há respostas famosas incorretas como a de David Hume (que a razão seria escrava das paixões), e não vou pretender dar uma melhor que a dele aqui. Mas é claro o suficiente que o emotivismo moral é uma péssima resposta a esse problema filosófico. Que dirá os problemas políticos.
Encerro com uma piada do Norm Macdonald, parafraseada: “Disseram-me que eu cometi ‘discurso de ódio’ contra retardados. O contexto foi que eu disse ‘eu amo retardados’. Como isso pode ser discurso de ódio?”