O que é ser ateu pra você?
É perceber que as religiões alegam ter um conhecimento que na verdade não têm.
É perceber que quem acredita em deuses acha que sabe algo que na verdade não sabe.
É perceber que a justificação para crenças em divindades e espíritos são derivadas de processos de inferência tipicamente míticos, que usam "categorias ontológicas" para construir conceitos que negam em algum ponto estas próprias categorias (como é descrito pelas pesquisas citadas por Pascal Boyer no livro "Religion Explained").
Categorias ontológicas são como "caixinhas" em que botamos as coisas que percebemos, de tal forma que não precisamos observar todos os detalhes dessa coisa para saber como se comporta. Exemplos de categorias ontológicas são as categorias ANIMAL, OBJETO, FERRAMENTA e PESSOA. Você, quando vê pela primeira vez na sua vida uma foca, já percebe que é um animal, e, como tem essa categoria ontológica para animais, não precisa observar a foca durante anos a fio para saber que ela se reproduz, que precisa comer, e que gera outras focas quando se reproduz.
Deuses pertencem à categoria ontológica de PESSOA.
Por exemplo, o Deus dos cristãos é uma pessoa, porém uma pessoa sem corpo, uma pessoa com poderes infinitos e conhecimentos infinitos, uma pessoa imaterial. Todos os teístas acreditam que Deus tem uma mente, que ele entende os sentimentos humanos, que ele entende quando alguém fala ou faz uma oração, que ele tem um sistema de moralidade,
portanto, todo teísta, sem exceção, acredita que Deus tem uma mente.
Porém, a categoria ontológica de PESSOA, cujo atributo mente é indispensável, foi formada num processo de evolução de nossos ancestrais primatas vivendo em grupo. Ao ver uma pessoa de outro grupo étnico ou outra cor de pele pela primeira vez, as primeiras pessoas que existiram neste planeta não precisavam testá-la a fundo para saber que se tratava de uma PESSOA, pelo modo como age, pelas intenções que demonstra, etc.
Todo mito é construído a partir de uma categoria ontológica, porém, exagerando as características da categoria ou violando algumas delas, deixando sempre algumas características intactas.
Deus, portanto, é uma pessoa com capacidades intelectuais e autocráticas exageradas, e sem corpo. É um caso típico de construção mítica.
Enquanto as ciências mostram que a única mente a que temos acesso evoluiu, e mostram como funciona a atitude religiosa na construção de mitos, o conceito de um deus se torna cada vez mais improvável de corresponder a algo que existe no mundo real, e a pessoa crente se torna cada vez mais transparente, previsível e prevista pelas teorias científicas do humano.
É por isso que hoje, dentro de grandes centros de conhecimento científico como as grandes universidades, defender o ateísmo é uma coisa redundante e até desnecessária. Mais de 70% dos cientistas e filósofos acadêmicos são ateus/agnósticos.
Existe gente preocupada em afirmar o ateísmo no espaço público, como eu, por uma simples razão: muita gente que acredita em Deus não suporta que existam pessoas que não acreditem, ainda mais por motivos tão claros e racionais como os que eu citei acima.
E essas pessoas, previsivelmente motivadas por seus conceitos míticos construídos como já descrevi, não só não têm a humildade de reconhecer que fé não leva a conhecimento, mas também fazem campanhas de desinformação e desconstrução de conhecimento estabelecido em nome da tal "fé".
Como todas as pessoas são racionais (têm a capacidade de raciocínio lógico, usando ou não), nem que seja racionalidade aplicada apenas ao modo como preparam o café, muitos desses teístas prosélitos percebem e sabem que fé não é conhecimento, que fé é incerta e que fé não é confiável como conhecimento.
E é por isso que eles adoram dizer que é preciso ter muita fé para ser ateu, ao mesmo tempo em que dizem que a fé é uma coisa fantástica e que transforma vidas.
Essas contradições resultam tipicamente do fato de eles usarem uma inferência mítica para acreditarem em Deus, enquanto usam uma inferência racional para perceber que acreditar em algo por simples fé é como calçar um sapato de geleia e dizer que está firme.
Seres humanos são sujeitos a essas contradições pelo fato de suas mentes terem sido construídas por um processo natural de tentativa e erro chamado evolução. Sobre isso, leia o livro "Kluge" de Gary Marcus.
Em conclusão, ser ateu é usar as capacidades lógicas da sua mente imperfeita para descobrir as imperfeições de crenças sem fundamentos como o teísmo. Por ser algo aparentemente simples, ateus existiram desde que existe a Humanidade, temos textos milenares de ateus indianos duvidando da existência dos deuses hindus, de filósofos chineses questionando os conceitos sobrenaturais e antropomórficos de outros povos, de filósofos gregos de quase cinco mil anos atrás percebendo que o modo como o populacho acreditava em deuses tinha algo de automático e frouxo.
E então temos dois dados históricos:
Por um lado, ateus aparecendo independentemente por milênios, trazendo os mesmos argumentos lógicos e racionalistas, e em culturas diferentes.
Do outro lado, tradições religiosas de conceitos míticos, sendo passados adiante através de doutrinação, e esses conceitos míticos mudam radicalmente, indo do Olimpo ao monte das oliveiras, do gigante Purusa às virgens do paraíso de Alá, da montanha faminta à pessoa imaterial e onipotente cujo nome não deve ser pronunciado (YHWH, mais tarde Javé, mais tarde simplesmente "Deus").
Sou ateu porque é bem mais provável que estejam certas as mentes dos ateus trabalhando independentes nestes milênios, com suas conclusões em comum, do que as mil verdades dos mil mitos diferentes criados a partir de categorias ontológicas da mente humana cujas origens naturais são plenamente detectáveis. Pergunte-me qualquer coisa.