O ornitorrinco no inferno da criação
Introdução: criadores e criatividade Acredita-se que o Criador bíblico, por sua própria atividade direta ou indireta através dos ambientes, fez as criaturas "segundo sua espécie" e de acordo com categorias (como “animais aquáticos”). Isso revela uma predileção por tipos, por classes, em contraposição à maior criatividade que estaria numa singularidade absoluta de cada criatura, pois uma maior criatividade reside em obras sem repetições. É a qualidade que determina a criatividade, não a quantidade. Por isso, um artesão costuma ser mais criativo que uma linha de produção mecânica. Estamos acostumados a ver cópias no nosso mundo, como na reprodução, então não seria de se estranhar que um criador fizesse os seres vivos “segundo sua espécie”. Tomamos a reprodução por garantida, sequer ousamos imaginar outra forma de o criador perpetuar a criação. Entretanto, pode-se imaginar, nem sempre no passado tomamos a reprodução como algo tão certo. Já acreditamos, como os vitalistas, que a natureza gera criativamente formas vivas por geração espontânea. Já houve quem acreditasse, inclusive, que todos nós viéssemos de pessoinhas minúsculas que residiam nos gametas. Esses homúnculos teriam sido plantados pelo criador nas gônadas de Adão e Eva [1]. Isso recebia, ironicamente, o nome “evolução” (hoje, “pré-formacionismo” [2]): a “teoria” de Albrecht von Haller da primeira metade do século XVIII. Como mentes livres, assim como podemos imaginar que os bebês sejam trazidos pela cegonha, podemos imaginar também um criador que tenha ojeriza à repetição pouco criativa, e faça cada organismo de uma forma única e singular, sem repetir um único órgão, uma única cor, uma única forma, não usando a cópia que acontece na reprodução. Se no mundo os organismos fossem assim, talvez poderíamos ter certeza de que são fruto de um projeto inteligente. Mas acreditar que o artífice cria cada organismo individualmente, por métodos que diminuem a participação da cópia automatizada da reprodução, é se deixar levar por um sobrenaturalismo maior que o do livro do Gênesis – pouca gente ou ninguém hoje acreditaria nisso, afinal temos coisas como o teste de DNA para corroborar uma reprodução “mecânica”. O que é revelador é que, em comparação a esse criacionismo absoluto tão tolo quanto a lenda da cegonha, o texto do Gênesis se mostra mais comprometido com o mundo material ao invocar a predileção da mente do criador pelas categorias, pela repetição tanto na reprodução dos organismos dentro das espécies quanto nos “nichos” ocupados por várias espécies. Não se pode dispensar uma óbvia extensão dessas categorias bíblicas às categorias da taxonomia, a arte de classificar os seres vivos, como faz Carolus Linnaeus (Carlos Lineu) em seu Systema Naturae: Reino, Filo, Classe, Ordem, Família, Gênero e Espécie.
Inclusive, Lineu criou esse sistema de classificação "para a maior glória de Deus". Classificar, para Lineu, nada mais era que aumentar nosso panorama da quantidade de categorias escolhidas pelo criador. A obra sistematizada por Lineu revelava a sabedoria de um artífice cósmico. Entretanto, o primeiro dos taxonomistas se achava perdido para separar o homem do macaco de uma maneira que não atraísse a “sanha dos eclesiásticos”. [3]
As classes e o Inferno Naturae
A criação está dividida em classes, assim como está dividido, na obra de Dante Alighieri, o Inferno.
Da mesma forma que um taxonomista qualquer separa os seres vivos de acordo com a quantidade de características que compartilham em níveis hierárquicos de semelhança, Dante separa o inferno em níveis concêntricos em que o núcleo recebe os piores pecadores (e.g. blasfemos e sodomitas), enquanto o limbo, o círculo mais externo, recebe os que cometeram pecados leves (e.g. pagãos virtuosos). As classes de pecados definem o destino da alma do pecador no Inferno.[4]
Classes, como nos ensina David Hull, são categorias “espaço-temporalmente indefinidas” construídas a partir de leis definidas.[5] Leis definem que átomos dotados de dois prótons são necessariamente membros da classe “Hélio”, mesmo que todos os representantes dessa classe sumam do universo. Leis morais da mente divina, por sua vez, definem punições particulares para pecados particulares, mesmo que nenhum pecado do tipo que condena as almas ao sexto círculo (onde está Epicuro e seus seguidores) seja cometido. Tanto o Inferno de Dante quanto o Systema Naturae estão provavelmente comprometidos com uma idéia: classes como representações de essências. A associação do pensamento essencialista do criacionista ao essencialismo de Platão é clara, quando ambos usam atributos comuns dos seres vivos para inferir projeto inteligente. E este projeto inteligente (ou intelligent design, termo usado no sentido moderno pela primeira vez numa carta de Charles Darwin para John Herschel) é nada menos que a concretização das essências da mente do Criador, no primeiro caso, e da arte do Demiurgo entre o mundo real e o mundo das formas, no segundo. [6] Por causa dessa herança intelectual, ainda hoje vê-se a atividade da taxonomia e mesmo da descrição de espécies biológicas como ligar seres vivos, através de características necessárias, à sua essência através de uma classe. A própria conceituação do que é alguma entidade biológica muitas vezes é feita de uma forma essencialista. Para John Locke, a atividade da classificação fundamenta todo entendimento. Mas as classes que fazemos, as idéias abstratas que derivamos dos nomes que damos a coisas como o homem ou o cavalo, não são casos particulares de essências que estejam em qualquer lugar fora da nossa mente. [7] Criar classes para auxiliar o conhecimento, portanto, não necessariamente precisa ser ligá-las a uma instância superior que lhes defina a partir de essências. Tentarei mostrar, utilizando o ornitorrinco como caso particular desse “Inferno Naturae”, que o criacionismo não sobrevive a uma análise racional e cética das evidências físicas relativas aos seres vivos - esses pecadores que expiam por uma forma de pensar obsoleta. O ornitorrinco no inferno da criação Quando a Bíblia conta que Deus criou os animais, ele o fez muitas vezes de acordo com classes (categorias). Cria os que rastejam pela terra, cria os que voam pelos ares.
Por isso, quando um criacionista observa dois mamíferos, por exemplo um cão e o homem, ele vê o compartilhamento de características como algo que corrobora a criação, pois "mamífero" (ou seja, produzir leite, ter pêlos) nada mais seria que uma das categorias ou classes da criação.
Por puro capricho o criador fez várias espécies que rastejam pela terra, e por puro capricho fez várias espécies que produzem leite e têm pêlos.
Não é à toa que em Filosofia a definição clássica do que seria um conceito é feita a partir de "características necessárias e suficientes", numa lógica essencialista que foi herdada tanto do pensamento religioso quanto do pensamento filosófico que não contrariava o pensamento religioso (leia-se Platão e Aristóteles, que não por acaso desfrutam da posição central na pintura de Rafael no Palácio Apostólico do Vaticano há quase 500 anos).
O conceito de mamífero, nestes termos, seria delimitado por uma linha rígida que separa os animais que possuem um conjunto de características necessárias e suficientes para ser mamíferos e os que não possuem. Isso significa que haveria um "tipo mamífero" ideal ao qual os animais mamíferos do mundo real 'prestam tributo'.
Por isso, em princípio, as características compartilhadas (ou seja, homologias) entre os animais não precisam, a priori, ser interpretadas como evidência de compartilhamento de um ancestral comum entre as espécies (se tiveram um ancestral comum e hoje são diferentes, isso já implicaria que evoluíram). Frente ao conhecimento acumulado da moderna Biologia, entretanto, os criacionistas precisariam postular classes de criação muito numerosas, refletindo os caprichos do criador em que acreditam. Seriam necessárias mais classes de criação do que níveis do inferno de Dante. Outro problema além desse é que as fronteiras entre as classes de criação seriam nebulosas demais, obscurecendo e tornando absurdos os desígnios do criador. Um artista pode manter um mesmo estilo em várias criações, mas fazer todas as criações compartilharem “cores”, ou características em suas “causas formais” pode ser visto como capricho, ou seja, uma escolha pouco criativa, preguiçosa, repetitiva e injustificada. Tomemos como exemplo o ornitorrinco, um animal de uma espécie única que hoje só é encontrada no leste da Austrália e na ilha da Tasmânia, e façamos um experimento mental de adesão ao criacionismo. Vamos fingir que acreditamos que todas as espécies vivas, incluindo essa, foram fabricadas diretamente por um Criador. Numa racionália criacionista, precisaríamos atribuir várias classes de criação ao ornitorrinco, à maneira com que Dante separa o inferno em níveis, em que cada nível diz respeito à qualidade de pecado a ser expiado. Mas no nosso caso, cada "nível" diz respeito ao compartilhamento de características desse animal com outros seres vivos.
O ornitorrinco tem um código genético idêntico ao que é encontrado em praticamente todos os seres vivos sobre a Terra. Isso seria o primeiro capricho da criação. Existem códigos genéticos entre seres unicelulares que são diferentes, ou seja, o do ornitorrinco não é indispensável.
Como em amebas, samambaias, coelhos, cangurus, águas-vivas, as células dos ornitorrincos têm núcleos. Outro capricho e outra classe de criação. Juntamente com coelhos, cangurus, lagartos, sapos, estrelas-do-mar e humanos, o embrião do ornitorrinco apresenta um orifício em uma das primeiras fases de desenvolvimento que delimita mais tarde o ânus. Isso também não é indispensável, pois em outros animais esse orifício (o blastóporo) se torna posteriormente a boca.
Seguem-se outras classes de criação, outros níveis no nosso “inferno” da natureza: o ornitorrinco é cordado como o fóssil Pikaia, vertebrado como o surubim, tem quatro membros como o elefante.
Como as quatro espécies de equidna que vivem também apenas na Oceania, o ornitorrinco bota ovos , e usa um mesmo orifício (a cloaca) para excreção, defecação e reprodução; e seus esqueletos também compartilham várias características. Em conjunto, as quatro espécies de equidna e a única espécie de ornitorrinco formam o grupo chamado Monotremata (que significa literalmente “um buraco” - a cloaca). A classe dos monotremados é a última “classe de criação” que mencionarei no nosso experimento mental de aderir ao criacionismo.
Nosso caprichoso criador não quis ser criativo fazendo todas as classes separadas e independentes. O nosso inferno da criação, cujo núcleo é o ornitorrinco, apresenta uma escolha peculiar do Criador: economia de idéias. Temos bonecas russas encerradas cada uma menor dentro de outra maior, em vez de obras independentes e “absolutamente criativas”.
No inferno de Dante, o primeiro círculo, o mais externo, é dedicado à expiação dos pecados pequenos, como daqueles pagãos virtuosos, que estão ali no limbo por não terem aceitado (ou mesmo conhecido) Cristo. No primeiro círculo das classes de caprichos do criador, está o código genético. Seriam as bactérias que se situam fora desse círculo meros “esboços”, como de um aprendiz de caligrafia gótica, que foram abandonados em favor de uma caligrafia ideal repetitiva? Um criador perfeito precisaria de ensaios, aprendizado, esboços? Quando o ornitorrinco foi descoberto pela tradição da história natural européia, no final do século XVIII, pensou-se que os exemplares empalhados eram fraudes. Houve até quem procurasse os pontos de costura que ligariam bizarramente o bico àquele corpo que parecia pertencer a algum tipo de castor. Um naturalista, Blumenbach (1800), até o batizou de Ornithorhynchus paradoxus. Só poderia ser um paradoxo para a criação que um animal que se encaixava nos círculos 'infernais' das classes até o nível dos mamíferos, diferente de todos os outros animais que ali - à maneira com que os caídos expiam seus pecados - exibem suas evidências de projeto divino, zombasse a Razão (Logos) botando ovos, ferroando com seu esporão venenoso e brandindo seu bico escarnecedor.
O conceito essencialista de mamífero de tempos anteriores sofreu um baque.
Mas paremos aqui, transtornados e abatidos por essa aporia natural, o nosso experimento mental de fingir que somos criacionistas. Comecemos outro experimento: agora somos céticos.
Somos céticos e conhecemos Guilherme de Occam, que disse que ao nos defrontarmos com fenômenos inexplicados, devemos optar por hipóteses mais simples, econômicas, prováveis e racionais. Isso, afinal de contas, não é uma afronta ao nosso ceticismo, é uma metodologia defensável. É a navalha de Occam, que nos serve como guilhotina para o que afronta o nosso ceticismo. A definição essencialista de conceito não nos serve mais, como céticos que somos. Não podemos continuar pulando de essência em essência, para dizermos "ah, bem, de vez em quando os mamíferos podem botar ovos...". Vamos fazer diferente: escolhemos um protótipo para o conceito de mamífero: um coelho, por exemplo. Mas não vamos dizer que só entrará no conceito de mamífero quem desfrutar de condições necessárias e suficientes para ser mamífero. Não vamos criar uma essência de mamífero. Nosso coelho vai servir apenas para comparação. Então vamos definir que é mamífero quem tem uma certa semelhança familiar com o coelho. Não haverá uma linha imóvel delimitando nosso conceito de mamífero. As fronteiras entre o conceito de mamífero e outros conceitos serão nebulosas. Quem propõe essa definição de conceito prototípico e semelhança familiar é um filósofo chamado Ludwig Wittgenstein. [5]
Um ornitorrinco é um mamífero porque produz leite, que escorre por seu pêlo e é lambido pelo filhote que acabou de sair do ovo. Ele não tem mamilos. Mas produzir leite é uma coisa raríssima no nosso inferno natural. Ter pêlos também, e esse bicho tem pêlos. Portanto, no meio de várias características que unirão o nosso ornitorrinco ao nosso protótipo, o coelho, estarão os pêlos e o leite - não apenas a sua aparência, mas as suas características mais íntimas, como a composição da queratina do pêlo e a composição da albumina do leite. Como céticos queremos ver até o limite mais íntimo das coisas antes de fazer afirmações e estabelecer nosso conceito de mamífero.
O conceito prototípico nos servirá melhor do que o conceito essencialista agora, pois duvidamos que seja preciso haver uma essência de mamífero. Mas céticos não precisam negar as evidências, e são as evidências a base do conceito prototípico que criamos. Mas não estamos satisfeitos. De onde vieram a albumina e a queratina que o coelho e o ornitorrinco compartilham? Sabemos que há genes nos DNA's dos dois animais, mas isso não explica por que esses genes geram resultados praticamente idênticos nas proteínas ao serem traduzidos nas células da pele.
Sabemos que ornitorrincos vêm de ornitorrincos e coelhos vêm de coelhos, então os genes desses animais são passados dos pais para os filhos. A razão da os genes de albumina e queratina do filhote serem idênticos aos genes dessas mesmas proteínas contidos na mãe é a herança, a cópia. Não é um grande salto para um cético pensar, agora, que a razão de tanto o coelho quanto o ornitorrinco compartilharem esses mesmos genes e essas mesmas proteínas seja a cópia e a herança, ou seja, a ancestralidade comum em alguma espécie que viveu no passado. Então, a semelhança familiar deve ser o resultado de um parentesco real.
Então, a razão de o ornitorrinco compartilhar características com o Pikaia, com o coelho, com o ser humano, com águas-vivas, com plantas, pode ser uma ancestralidade comum em tempos diferentes e circunstâncias diferentes, por isso os conceitos prototípicos podem ser aplicados a cada círculo do inferno da natureza, mas o motivo disso não parece ser capricho do criador, mas um grande nexo genealógico, de níveis de parentesco trespassando os níveis infernais! Para acreditarmos nessa enorme inversão de valores para com nossa posição anterior, precisaremos de evidências de que o ornitorrinco não foi sempre ornitorrinco: de que o próprio conceito de "ornitorrinco" seja prototípico. Sabemos que o ornitorrinco moderno nasce com um dente efêmero que o ajuda a sair do ovo, depois cresce alguns dentes na fase jovem, e na fase adulta perde todos os dentes. No passado seria possível que os ancestrais do ornitorrinco preservassem dentes na fase adulta, como acontece com o coelho? A resposta é sim, temos evidências disso, e os nomes dessas evidências são os fósseis Obdurodon (~26 milhões de anos), Steropodon (~110 milhões de anos), e Teinolophos (~120 milhões de anos), todos com dentes na fase adulta. Todos de uma linhagem que foi mudando e um dos resultados é hoje o ornitorrinco sem dentes na fase adulta.[8] Uma vez que essas espécies extintas eram ornitorrincos um pouco diferentes do ornitorrinco moderno, de onde veio essa linhagem de ornitorrincos? O círculo infernal dos monotremados, os mamíferos que botam ovos, é bem mais largo que essa linhagem. Inclui as linhagens dos equidnas. As homologias denovo nos servirão para usar a navalha de Occam e abandonar os caprichos do criador e aceitar racionalmente a ancestralidade comum. Temos evidências de que os equidnas mudaram também, porque temos fósseis de ~106 milhões de anos [9] e análises de relógio molecular.[8]
Nosso pensamento cético não se contraria também em aceitar que a razão pela qual os monotremados botam ovos é porque eles fazem parte do círculo infernal dos tetrápodos que botam ovos, como os chamados répteis. Isso também por um conceito não-essencialista, prototípico, que reflete as evidências observadas. Temos outras vias além dos fósseis para satisfazer nosso ceticismo. Por exemplo, já temos mapeado o genoma do ornitorrinco, publicado na revista científica Nature em maio de 2008. O genoma do ornitorrinco tem características de réptil e de mamífero. Indica que a mesma família de genes que deu origem ao "veneno" do esporão do ornitorrinco foi responsável também, seguindo outra rota, pela origem dos venenos das serpentes.[10]
Nossa análise cética dos círculos infernais da natureza é tão precisa que podemos concluir que o bico do ornitorrinco, por outro lado, não é evidência de que o ornitorrinco e as aves herdaram seus bicos de um ancestral comum que tinha bico. O "bico" do ornitorrinco é uma estrutura com consistência de borracha, cheia de órgãos que percebem a eletricidade das presas que se escondem no fundo dos lagos, enquanto o bico das aves é uma estrutura dura, córnea. O bico do ornitorrinco não pertence ao conceito prototípico de bico das aves.
Conclusão
Agora, pela navalha de Occam e pelo ceticismo, pela razão e pela parcimônia, podemos optar pela melhor explicação para o porquê de as espécies terem mudado e transitado entre os círculos infernais da natureza ao longo do tempo, mudando de conceito em conceito, revolucionando a si mesmas, evoluindo. Temos algumas explicações complicadas, e uma explicação simples. As complicadas são: o criador, apesar de não ter tido o trabalho de dar sempre pinceladas na formação de sua obra, participou do processo, como um artífice insatisfeito que gosta de fazer ajustes de tempos em tempos - que é o deus de Newton; ou o criador apenas foi responsável por sintonizar leis gerais que dariam os resultados que ele esperava (apesar de isso ser contraditório com a noção de contingência e imprevisibilidade da evolução) - que é o deus de Leibniz; ou então temos uma linha de montagem de leis gerais ou de intervenções intermitentes no mundo natural, com vários criadores fazendo reuniões periódicas para aprovar o que vai passar e o que vai ser reprovado na linha de produção; entre outras explicações complicadas, formuladas pelas mais diversas religiões no decorrer da história humana. É difícil, quando não impossível, ter um critério para descartar uma explicação complicada em favor de outra complicada. E temos a explicação simples: o que fez a evolução acontecer foram processos puramente naturais, dentro os quais o principal é seleção natural - a sobrevivência não-casual de variedades que surgem casualmente. É uma explicação simples, provável e econômica, então será poupada pela navalha de Occam. Quanto a criadores ou interventores, nós os ignoraremos. Não precisamos dessas hipóteses, como teria respondido Laplace à pergunta de Napoleão, que queria saber por que Deus não era mencionado em seu tratado de mecânica celeste. Que os criadores fiquem, caso existam, no espaço que sobrar entre os mundos, como quis Epicuro de Samos.[6] Referências 1 – Stephen Jay Gould. Darwin e os grandes enigmas da vida. Martins Fontes, 1987. 2 – Richard Lewontin. A tripla hélice – gene, organismo e ambiente. Companhia das letras, 2002. 3 – Carl Sagan. Os dragões do éden: especulações sobre a evolução da inteligência humana. F. Alves, 1987. 4 - Dante Alighieri. A divina comédia. EDUSP, 1979. 5 – David Hull. A Matter Of Individuality. Philosophy of Science, 45, pp. 335–60, 1978. 6 – John Bellamy Foster, Brett Clark & Richard York. Critique of Intelligent Design – Materialism versus Creationism From Antiquity to the Present. Monthly Review Press, 2008. 7 – John Locke. Of General Terms in An Essay Concerning Human Understanding. http://etext.library.adelaide.edu.au/l/locke/john/l81u/B3.3.html, 2007 8 - Rowe et al. The oldest platypus and its bearing on divergence timing of the platypus and echidna clades. PNAS vol. 105 no. 4. 2008. 9 - Pridmore et al. A Tachyglossid-Like Humerus from the Early Cretaceous of South-Eastern Australia. Journal of Mammalian Evolution, Vol. 12, Nos. 3/4, December 2005. 10 - Warren et al. Genome analysis of the platypus reveals unique signatures of evolution. Nature, Vol 453, 2008.