O aniversário e a supernova
Gosto de pensar no aniversário como mais uma volta completa em torno do Sol com a espaçonave Terra, tendo início no momento em que deixei o berço biológico formado pela junção entre o corpo da minha mãe e o meu: placenta e cordão umbilical. Acho que estar ciente disso faz a data do aniversário da gente um evento bem mais inspirador do que meramente colocar mais um número nos registros. Estrelas se sacrificaram para tudo isso estar aqui. Um lento processo de consolidação de uma nuvem de gás criou o sol, os elementos mais pesados ao redor, nascidos em supernovas diversas, prestaram tributo gravitacional a esta estrela comum formando os planetas. Globos maiores de matéria como a Terra foram bombardeados durante milhões de anos, tendo um dos maiores choques criado a Lua. O tempo cura tudo, até bombardeios de asteroides. Estando devidamente curada pelo tempo e pela gravidade, a Terra passou a se resfriar com sua atmosfera eletronicamente redutora. Este ambiente criou os blocos de moléculas orgânicas, que em processos de seleção e outros processos complexos que mal compreendemos geraram a vida. Bilhões de anos de vida se passam, com formas belas inteiras vivendo por centenas de milhões de anos. Quantas histórias os inúmeros organismos das inúmeras espécies de ictiossauros e pterossauros viveram, para nunca mais serem contadas? Pouco depois de sua estreia, a vida começa a mudar a atmosfera, tornando-a oxidante e criando um escudo de ozônio. Açoites do clima e da geologia desafiam a vida, moldando-a como um escultor molda um bloco de mármore. Somente grande violência pode criar grande beleza, neste contexto. Mas eis que a vida também descobre que o carinho é agente transformador, tão poderoso quanto a violência ou ainda mais. Eventualmente, centenas de milhares de anos atrás, surge uma espécie capaz de observar a natureza como um imenso livro que o tempo rasgou e espalhou sua história em pedacinhos por todos os lados. Séculos de evolução cultural juntando esses pedacinhos levam a teorias que pudessem explicar e prever o funcionamento do mundo que nos deu à luz. Exatamente um mês antes de eu nascer, em 23 de fevereiro de 1987, atinge a Terra a luz de uma supernova que viajou 51,4 quiloparsecs até aqui (http://en.wikipedia.org/wiki/SN_1987A). Esta observação da morte de uma estrela mostra-se salutar para a descoberta de que cada um dos átomos que compõem nossos corpos, com exceção do hidrogênio, foram fabricados em fusões nucleares nos cálidos corações das estrelas. A supernova SN 1987A podia ser vista a olho nu no céu do hemisfério sul. Um mês depois, neste hemisfério, eu nasci. E lá se vão 24 voltas em torno do Sol desde então. É bom estar aqui.