Intelectuais contra a Copa = clichê
Na copa de 1994 eu era uma criança feliz e me diverti assistindo o tetracampeonato da seleção brasileira. "É TETRA! É TETRA!" Tinha 7 anos. Quando o Brasil marcava um gol, eu e a minha irmã escrevíamos o placar nos nossos caderninhos, e o nome do jogador que fez o gol. Depois, na copa de 1998, com 11 anos, eu já comecei a criar a ojeriza contra o evento. Em 2002, no pentacampeonato, eu era um adolescente insuportavelmente avesso a tudo que fosse popular, diria na época que a copa é panis et circenses apenas, coisa para o populacho. Enquanto todo mundo comemorava eu dava um muxoxo. Em 2006 eu estava em Brasília, no começo da graduação. Estava ou dissertando contra a parada dos serviços públicos nos dias dos jogos do Brasil, ou torcendo contra o Brasil no apartamento dos meus amigos que queriam assistir a copa. É, eu gostava de falar mal da Copa do Mundo. Eis que eu evoluí do clichê. Assisti aos dois jogos da seleção nesta copa de 2010, no primeiro, contra a Coreia do Norte, acompanhei sozinho atentamente, twittando comentários. Ontem assisti ao jogo contra a Costa do Marfim com meus colegas de pensão, minha nova morada em Porto Alegre, onde vim fazer pós-graduação. Eu me observei atentamente. Gelei com os tiros de meta. Gritei e fiquei boquiaberto observando a beleza do gol do Luís Fabiano (aquele que teve um pouquinho de mão, mas a gente perdoa). Fiquei irritado com a violência dos marfineses e com a dissimulação do Kaká (podem negar à vontade, mas ele deu uma cotovelada sim). Redescobri aquela criança de 1994, lá do interior de Minas Gerais, que nunca gostou muito de educação física nem de jogar uma pelada, mas que sabia se divertir assistindo à Copa com a família.
Continuo não tendo time de futebol. Os gaúchos podem perder a esperança de me cooptar para a torcida gremista ou colorada. Mas estou aprendendo uma coisa interessante: nem tudo o que é popular é lixo. O futebol, como também é clichê falar, pode ser uma verdadeira arte. Demanda grandes cérebros com grandes habilidades motoras.
Para o pessoal que lê Nietzsche e Dostoievsky que continua fazendo o que eu fazia quatro anos atrás, eis algumas reflexões: Eu posso aceitar seus argumentos racionais mostrando o disparate dos governos em gastar mais dinheiro com estádios do que com hospitais e escolas. Posso até engolir seus resmungos sobre a frialdade do sistema capitalista do entretenimento em massa.
Mas nada disso anula o puro prazer que é possível ter assistindo a um jogo futebol e torcendo de verdade para um dos lados. Então, saiba separar instituições falhas de fontes legítimas de prazer estético. Pode apontar as falhas da FIFA e da Copa, mas pergunto: que instituição humana trabalha perfeitamente como um moto perpétuo? Está na hora de botar os pés no chão e ver que assim como moto perpétuo não existe, também não existe organização humana perfeita que leve em conta todas as prioridades de gasto de recursos além de sua própria, muito menos entre organizações devotadas a entretenimento. A Copa não existe para promover a educação nem a divulgação científica, não existe para promover a segurança social nem a saúde que não seja a saúde dos próprios jogadores. Então criticar a Copa por trazer o circo na equação do pão e circo é no mínimo uma falta de foco. É um clichê intelectuais desdenharem da Copa porque a ladainha é sempre a mesma. Só tentam achar uma racionalização por sua falta de apreciação estética e ética pelo evento. Em vez de admitirem que não gostam porque não gostam, tentam construir a falta de gosto na forma de argumentos sócio-político-gastronômico-midiático-econômicos. Sei disso porque era o que eu fazia. Acontece a mesma coisa com alguns que desdenham da MPB, do samba e da produção artística nacional em geral. Racionalização Freud explica. Pode não ser verdade que quem desdenha sempre quer comprar, mas aposto que todo frígido diz que não gosta de sexo porque tá com dor de cabeça.