Identitários me enfrentaram na minha palestra sobre sua ideologia: como lidei com isso
Finalmente chegou a experiência que eu antecipava enquanto escrevia o livro
Recentemente, dando uma palestra sobre meu livro “Mais iguais que os outros” (crítico ao identitarismo), encontrei um grupo hostil e adepto da ideologia que estou criticando com a obra. Eles tentaram me intimidar.
Os identitários são adeptos de uma ideologia anti-racionalista. Isso tem duas consequências principais. A primeira é que, quando você abandona o uso metódico e calmo da razão (o que é diferente de afilá-la para reforçar dogmas procurando por padrões simples), você se entrega ao sabor dos ventos dos vieses de fábrica humanos. Viés da confirmação, viés de tribo (coalizão), viés de enquadramento, viés de disponibilidade e viés de negligência da taxa base dos fenômenos. (Tudo isso está no livro.)
A segunda consequência é que o arsenal de “crítica” dos identitários é muito previsível: é basicamente ad hominem (ataque pessoal) e insinuação de que você é membro de algum grupo inimigo (para reforçar o viés de tribo) ou que faz parte de alguma teoria da conspiração que é socialmente aceitável entre eles.
Tudo isso aconteceu na seção de perguntas da minha palestra. “Você diz que é neutro [eu não disse isso], mas claramente pende para o conservadorismo”, foi o primeiro ataque pessoal. Respondi que se eu sou conservador, então os conservadores andam muito esquisitos: se casando com pessoas do mesmo sexo, defendendo descriminalizar maconha e (com limitações) aborto etc.
Foi mais ousada uma identitária de aparência branca, mas que usava dreadlocks. Em 2015 ela seria cancelada pela própria ideologia por usar dreadlocks, mas parece que o identitarismo abandonou a besteira da “apropriação cultural” porque era um teste de pureza radical demais.
Primeiro, ela alegou que reconhece que aconteciam “exageros”, mas, previsivelmente, não deu exemplo de nenhum. Isso, imagino, serve para simular uma tolerância ou ponderação que não existe ali, para jogar uma migalha de falsa generosidade para o palestrante, por assim dizer.
A simulação de moderação durou pouco. Ela logo saltou para afirmar, a respeito de cotas, que elas incomodam a “mediocridade branca que vê seu espaço ameaçado”. Enquanto ela falava assim, em termos vagos, só balancei a cabeça e ouvi. Mas não era suficiente para ela ficar nos termos vagos: ela queria me intimidar.
Da forma que expus com delongas no meu livro, ela começou a me criticar por características não escolhidas por mim que sua ideologia demoniza: “você é branco, você é homem”. Foi a deixa que eu esperava para adotar uma postura mais firme. Interrompi e disse “que pena que não sou hétero, para você colocar na sua lista”.
Ela disse “não sei qual é sua orientação sexual”. Eu disse “acabei de contar há poucos minutos na minha palestra, vê-se que você não estava prestando atenção”. Daí fizemos um curto bate-boca que encerrei dizendo algo como “não tem como dialogar”.
Houve mais algumas perguntas que mais pareciam palestrinhas, inclusive de um cara que insinuou que sou parte de algum tipo de conspiração trumpista global, e que também mostrou que não prestou atenção à palestra não sabendo quem era Kimberlé Crenshaw, e que ela cunhou o termo “interseccionalidade”, muito utilizado dentro do identitarismo.
Além de apelar para a teoria da conspiração popular entre seus colegas de ideologia, ele expressou que era inaceitável que eu tivesse sido convidado para palestrar na instituição, que ele “nunca viu nada parecido” por lá.
Ainda reativo e firme, eu apontei que isso era um endosso ao cancelamento e uma tentativa de manter a homogeneidade ideológica da instituição, equivalente a ele dizer que o herege não pode entrar.
Depois, expliquei para o resto da plateia (a fileira de identitários dificilmente mudará de ideia) por que motivo eu tive que ser firme: faz parte da resistência ao identitarismo não tolerar calado às suas táticas mais sujas.
Expliquei que faz parte das táticas do identitarismo intimidar as pessoas ao silêncio, criar maiorias silentes que se sujeitam bovinamente à destruição das normas sociais pelos identitários, que são uma minoria barulhenta que se aproveita da boa vontade dos outros para tomar as rédeas das instituições em que estão, para fazer desvio de função e cooptá-las para a ideologia.
Cheguei a pedir desculpas caso eu tivesse sido incisivo em excesso. Pessoas presentes que respeito me asseguraram que não passei dos limites hora nenhuma. Quem passa dos limites é quem tenta desqualificar uma palestra com ad hominem baseado na cor da pele ou no sexo de quem está falando. O nome dessa estratégia nós já sabemos, por mais que o identitarismo se esforce em mudar a definição de racismo e sexismo.
Não me arrependo de nada. E, quando tiver novas oportunidades de enfrentá-los em outras instituições de ensino e outras plateias, farei com esmero. Para lidar com as consequências nas horas logo após esses enfrentamentos, terei sempre minha amiga Dipirona.
Atualização: lembrei-me de mais um detalhe. A aluna woke com dreadlocks atacou minhas credenciais acadêmicas. Alegou que eu, como biólogo geneticista, não tenho autoridade para comentar os temas sociais que o identitarismo toca. Dei duas respostas: ela estava fazendo “apagamento” das minhas fontes nas ciências sociais, como Jonathan Haidt, Paul Bloom etc. Escolhi o termo a dedo, pois “apagamento” é jargão identitário. Segunda resposta, todos esses temas — gênero/sexo, sexualidade, raça e deficiência — são de legítima análise pela biologia, não monopólio das sociais, apesar de tentarem reforçar esse monopólio com papo furado como declarar tudo “construção social”.
O que está por trás do papo furado da “construção social”
O texto abaixo é um trecho do meu capítulo “O Macaco SeXX/XY: Pensando em Gênero e Sexualidade Fora dos Moldes Identitários”, no livro “A Crise da Política Identitária”, organizado por Antonio Risério (Topbooks, 2022). Desenvolvo mais o tema do capítulo no meu livro “Mais Iguais que Os Outros”, que será lançado pela Avis Rara em março de 2025.
Parabéns pela sua coragem. E não deve ter sido pouca para enfrentar a turba da irracionalidade que tomou conta do que deveria ser o reino da razão por excelência, nossas instituições intelectuais. Pelo menos, outrora, movimentos irracionalistas (não sei se esse é o termo correto) não pretendiam ser científicos e reconheciam que se baseavam em dogmas de fé ou inspirações de outra sorte. O que assusta é o verniz de ciência e pensamento crítico que esses movimentos conquistaram dentro da própria acadêmia, que deveria ser uma guardiã do conhecimento objetivo e racional.
Desculpe o longo comentário. E, novamente, parabéns. E obrigado por se colocar a frente nessa batalha cultural (será que posso chamar assim?).
Será bacana se vc tiver + desses embates nas universidades federais, pra calar esse pessoal