Há 100 anos, como hoje, imprensa defendeu censura
Leis de Fake News são a versão moderna das Leis Adolpho Gordo
O político Adolpho da Silva Gordo (1858-1929), que apesar de ser de Piracicaba curiosamente governou o Rio Grande do Norte por apenas dois meses na virada de 1889 para 1890, era Senador em 1922 quando resolveu que era hora de produzir uma Lei de Imprensa que colocasse os jornalistas em seu devido lugar.
Já existia uma Lei Adolpho Gordo, um decreto de 1907, para expulsar estrangeiros acusados de atentar contra a ordem fazendo greves. Mais de 130 foram expulsos do país. Agora, a intenção era expandir sua verve autoritária para uma nova Lei de Imprensa.
As eleições de 1922 eram o acontecimento do ano, e havia, vejam só, um probleminha de fake news a ser combatido com pulso firme pelas autoridades. A campanha de Artur Bernardes estava sendo atrapalhada por "cartas falsas" atribuídas a ele. Elas continham insultos ao marechal Hermes da Fonseca, e foram forjadas a mando do senador Irineu Machado, um apoiador de Nilo Peçanha.
Entrou em ação o Gordo, elaborando um projeto de lei que proibia o anonimato nos jornais, especialmente nas colunas de opinião, entre outros efeitos. O PL foi aprovado em uma rodada de votação em 17 de junho, atraindo críticas na imprensa... exceto por um número substancial de veículos que eram a favor de mais mordaça na imprensa.
A socióloga Alice Beatriz da Silva Gordo Lang (será que é descendente?) diz que os veículos que elogiaram eram A Imprensa (SP), Gazeta de Notícias (RJ), O País (RJ) e A Plateia (SP). Outros três achavam o momento ruim para o debate, pois o país estava em estado de sítio, mas consideravam a lei necessária. Na listagem de Alice, há três jornais contrários — o que indica que a maioria da imprensa era a favor da censura dela própria (ou só “daquele outro veículo ali, que é de extrema [insira posição política]”, imagino).
Irineu Machado armou uma campanha contra o PL no Senado, apresentando 62 emendas, algumas estapafúrdias a respeito da expressão verbal, quando o projeto sempre tratou da palavra escrita.
No ano seguinte, com Artur Bernardes na presidência, ele expressou apoio. Após mais votação na Câmara e no Senado, finalmente foi sancionado por Bernardes, no Dia das Bruxas de 1923, o Decreto nº 4.743. Apesar de modificações, continuou conhecido como Lei Adolpho Gordo.
Ainda é possível conferir a Lei de Imprensa de 1923 no site da Câmara. Enquanto na mesma década os Estados Unidos estavam formando por jurisprudência seu padrão sem paralelos de liberdade de expressão, essa lei brasileira previa punições para crimes vagos como desobediência à “ordem pública” e “às leis”.
O espaço para interpretação subjetiva era amplo, e, como sempre foi feito no Brasil, as autoridades tinham mais proteção contra palavras que não gostassem que os cidadãos comuns: se o “crime” de opinião fosse contra “corporação que exerça autoridade pública, ou contra agente ou depositário desta”, a pena era elevada de quatro meses a um ano para seis meses a dois anos de prisão. A multa também.
Qualquer semelhança com ministros do STF hoje alegando que insultos pessoais contra eles são “atentados violentos contra o Estado democrático de direito” não é mera coincidência. Autoridades brasileiras sempre foram floquinhos de neve muito frágeis contra palavras dos cidadãos... o que há de tão perigoso nessas palavras? Algumas verdades dolorosas?
Outro hábito que não mudou um século depois: os defensores da lei censória chamavam as críticas dos oponentes de “ataques”, exatamente como fazem hoje os defensores de iniciativas como o PL das Fake News e da atuação de Alexandre de Moraes. Um país condenado ao Eterno Retorno.
É só lermos o que nós humanos já fizemos ao longo da nossa história, para facilmente prever o futuro.
Somos cassandros: eternamente condenados ao dejavu da mediocridade...