"Gene Gay": cobertura de novo estudo mostra que a imprensa não aprendeu nada em 25 anos
No começo da década de 1990 o geneticista Dean Hamer teve o nome citado pela maior parte da imprensa ocidental ao propor que havia um "gene gay". A verdade, é claro, era mais complicada. Hamer havia sido parte de um estudo que apontou que uma região do cromossomo X parecia estar significantemente associada à presença da homossexualidade em famílias. A cobertura fez um enorme desserviço à divulgação científica, mas Hamer partilha parte da culpa. Ele não aprendeu muito, pois na década seguinte lançou um livro que propunha no título um "gene de Deus". Parece até que genes são feitiços do Harry Potter, que conjuram coisas complexas como crença em Deus e homossexualidade do nada, e sozinhos.
Saiu um novo estudo sobre a genética da homossexualidade, com uma enorme amostra, e tudo indica que a imprensa nada aprendeu em um quarto de século. A Globo News já interpretou tudo errado com esta manchete: "Estudo feito com DNA de quase meio milhão de pessoas conclui que não existe um gene que determine a homossexualidade. Ambiente, educação e personalidade influenciam escolha, dizem pesquisadores". Para mim, ao menos, está claro que os jornalistas pegaram a notícia de segunda ou terceira mão, em vez de simplesmente abrir a página do estudo.
Desde 2011 estou aqui falando em público que QUALQUER comportamento é influenciado por um grande número de genes. Ninguém na genética espera que nem mesmo o reflexo patelar, um dos mais simples dos nossos comportamentos, venha de um gene só. O estudo definitivamente não é sobre isso e não teve o objetivo de derrubar a ideia de que um gene só causa a homossexualidade, pois ninguém na genética acredita nisso.
O novo estudo tem um ótimo tamanho amostral (mais de 470 mil participantes). Minha principal crítica a ele é que perguntar só se as pessoas já tiveram uma experiência sexual com alguém do mesmo sexo é uma forma imprecisa de aferir o desejo espontâneo delas. Entrevista é um método cheio de imperfeições.
Aqui entra o aspecto da personalidade. Se alguém é propenso a ter uma personalidade aberta a novas experiências (e esse é um dos principais 5 ingredientes da personalidade), esta pessoa pode fazer sexo com pessoas do mesmo sexo apesar de esta não ser sua principal preferência sexual.
Portanto, só perguntar se alguém fez sexo com alguém do mesmo sexo ao menos uma vez na vida não é um instrumento preciso para aferir a orientação sexual. Na verdade, é um método fadado a incluir heterossexuais na amostra. Além disso, sabemos também que os componentes da personalidade têm também base genética. A sugestão aparente de uma dicotomia entre personalidade e genes não faz sentido nenhum.
Aqui está o link do estudo original, que parece que jornalistas têm alergia de dar. https://science.sciencemag.org/content/365/6456/eaat7693
A última frase do resumo diz tudo: "o comportamento não-heterossexual é poligênico", não destituído da influência dos genes, portanto. Em momento algum o estudo sugere que a orientação sexual pode ser mudada pela via da educação. Não sei de onde a Globo News tirou isso.
Sobre ética e por que dois grupos políticos comemoraram a manchete que induz a erro
Certo tipo de conservador quer que a homossexualidade seja resultado da cultura e escolhas, para facilitar a condenação moral dos gays. Pois, como disse Kant, "dever fazer" implica "poder fazer". Só pode ser imoral comportamento que pode ser mudado de livre e espontânea vontade.
Ao mesmo tempo, certo tipo de progressista quer que a homossexualidade seja resultado da cultura e escolhas porque declarar tudo "construção social" faz parte de seu projeto de poder baseado na engenharia social, em moldar a sociedade à sua imagem e semelhança.
Pensando bem, os dois não são tão diferentes assim. Ambos os grupos põem seus projetos sociais e suas crenças sagradas na frente dos fatos.
Sobre "comportamento"
Percebo que há uma confusão semântica sobre o que a genética do comportamento quer dizer com "comportamento", também. É a mesma confusão do Malafaia. Não há, no tratamento científico do comportamento, qualquer pressuposição de que sua causa é ambiental/cultural/educacional.
Talvez essa confusão vem da influência do behaviorismo, um arcabouço teórico que dominou a psicologia na metade do século XX e pressupunha uma importância exagerada para o ambiente. Esse arcabouço, apesar do continuado protesto de alguns, já caiu, e o empurrão veio de dentro.
Comportamento é uma característica fundamental dos animais. É qualquer fenótipo que derive da atividade das células excitáveis: neurônios e fibras musculares. Ter um desejo não concretizado de sexo gay, portanto, ainda é ter um comportamento.
É este comportamento, concretizado em camas ou não, que é o real alvo da controvérsia sobre as origens da homossexualidade. São as pessoas que têm essa preferência, com predominância ou exclusividade, que são alvo principal do preconceito, também.