Entre politicamente corretos e incorretos: ética do humor
“Assim como piadas que ativam estereótipos não parecem ser sempre uma expressão de defeito naqueles que apreciam essas piadas, piadas sobre a feiúra ou a deficiência, ou sobre violência, estupro ou morte, não parecem vir sempre da insensibilidade ou crueldade na pessoa que conta ou que aprecia tais piadas. Tais vícios podem explicar por que algumas pessoas gostam de piadas desse tipo, mas para outras a apreciação de tais piadas é explicada de outras formas. Para algumas pessoas vem de traços de caráter opostos. É precisamente por causa de suas senbilidades e ansiedades sobre os sofrimentos e infortúnios que buscam alívio na jovialidade a respeito desses assuntos sérios. Pense, por exemplo, no velho que diz “quando acordo de manhã, a primeira coisa que eu faço é esticar os braços. Se não bater em madeira, eu levanto”. Tal gracejo não indica que o velho considera sua morte um assunto trivial. Em vez disso, é sua ansiedade sobre a morte (e enterro) que dá origem a seu humor. Enquanto este é um caso de humor autodirecionado, não há razão para pensar que algo similar não ocorra às vezes quando as pessoas brincam sobre as tragédias que acometem outros. Tais tragédias podem nos causar ansiedade, e o humor é uma forma de lidarmos com elas.
(…) Muitas pessoas reconhecem que o contexto é crucial para determinar quando uma piada expressa um defeito no contador da piada, mas uma opinião comum sobre a ética do humor tende a simplificar demais as considerações de contexto. Por exemplo, frequentemente se pensa que piadas sobre “negros”, judeus, mulheres, poloneses ou deficientes, por exemplo, são moralmente contaminadas ao menos que sejam contadas por membros do grupo alvo da piada. Alguns vão ao ponto de dizer que ao menos que quem conta a piada seja membro do grupo alvo, contar a piada é errado. Essa opinião é correta no sentido de afirmar que a identidade de quem conta a piada é relevante para uma avaliação moral de um dado ato de contar piada. Dependendo de quem conta uma piada, a piada é ou não é uma expressão de defeito de quem a conta. Entretanto, onde a opinião erra é ao alegar que apenas membros do grupo podem contar a piada sem (a) a piada ser uma expressão de uma atitude defeituosa ou (b) a piada ser vista como uma expressão de tal atitude.
No entanto, nenhuma dessas suposições se sustenta. Primeiro, é possível que membros do grupo compartilhem de atitudes defeituosas sobre o grupo. Não é incomum que pessoas internalizem preconceitos ou outras atitudes negativas para com o grupo do qual são membros. Quando tais membros de um grupo contam piadas sobre seu grupo, bem podem estar exibindo as mesmas atitudes que pessoas preconceituosas fora do grupo. Se uma piada é moralmente problemática porque expressa algum defeito em quem a conta, então o contar de uma piada sobre “negros”, por exemplo, é errado se a pessoa que a conta for “negra” e compartilhar desse defeito.
Em segundo lugar, por causa desse fenômeno nós não podemos assumir que membros de um grupo não serão vistos (ao menos por aqueles com uma opinião mais nuançada sobre a psicologia humana) como expressando as atitudes problemáticas.
Em terceiro lugar, há situações nas quais podemos ter confiança que quem conta a piada não compartilha das atitudes negativas mesmo que ele ou ela não seja um membro do grupo sobre o qual a piada está sendo contada. Às vezes conhecemos alguém suficientemente – ou sabemos que aqueles para quem contamos uma piada nos conhecem o suficiente – de modo que o contar da piada não será visto como uma expressão de uma atitude maliciosa.
Assim, enquanto a identidade da pessoa que está oferecendo um pouco de humor é claramente uma consideração relevante de contexto, esta não deve ser reduzida ao princípio bruto de que todos os membros ou apenas membros de um grupo podem contar piadas sobre ele.”
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Excertos de Benatar, D. Levando (ética do) humor a sério, mas não a sério demais. Journal of Practical Ethics. Oxford, 2014. Tradução livre. Disponível em inglês em: http://genetici.st/humourethics
Veja também algumas referências em pesquisa empírica com humor depreciativo em http://lihs.org.br/humordepreciativo