Demonstrando por que marcar "ele/dele" é tolice em português: o teste da berinjela
Mais uma moda identitária do Twitter que é previsivelmente burra
Está na moda entre progressistas (identitários) botar pronomes "ele/dele", "ela/dela" no Twitter, em suposta solidariedade a pessoas trans. O que as pessoas trans ganham com isso eu não sei — aposto que não ganham nada. A motivação nominal de apoio a trans convive, se não for antagônica, com a motivação de sinalizar que são boa gente, mesmo se não conhecerem pessoalmente uma só pessoa trans.
Esse exibicionismo moral é uma óbvia má tradução da marcação “she/her” e “he/him” do inglês, língua em que a moda começou. Inglês, aquela língua do “imperialismo” que alegam odiar. Traduzir para “ele/dele” tem dois problemas principais: (1) “dele” já contém “ele”, é apenas a forma contraída de “de ele”; (2) “him” e “her” ficariam como “ele” e “ela” em português. Por exemplo: “Tell him to shut up” = “Diga a ele para se calar”.
A adaptação, portanto, é pura ignorância linguística e síndrome de vira-latas de quem absorve as modas ideológicas dos americanos. No inglês, talvez faça algum sentido, pois a marcação de gênero está principalmente nos pronomes. Não é o caso do português, em que está principalmente em substantivos, adjetivos e artigos.
No exemplo a seguir nas duas línguas, vamos botar uma 🍆 onde o gênero é marcado:
She🍆 is a great doctor, I would love to be one of her🍆 patients.
Ela🍆 é uma🍆 ótima🍆 médica🍆, eu adoraria ser um🍆 dos🍆 pacientes dela🍆.
Compare as duas frases. A maior parte da marcação de gênero em português não está nos pronomes. Duas berinjelas de gênero em inglês, todas em pronomes, contra sete em português, a maioria fora dos pronomes. Se o exemplo serve de amostra, menos de 30% das palavras marcadas com gênero no português são pronomes.
Tentemos um exemplo mais longo cuja tradução não é minha, para afastar as suspeitas de que manipulei as berinjelas ao traduzir. Eis a seguir o teste da berinjela no primeiro parágrafo de Harry Potter e a Pedra Filosofal, no original em inglês e na tradução da Lia Wyler.
Mr🍆 and Mrs🍆 Dursley, of number four, Privet Drive, were proud to say that they were perfectly normal, thank you very much. They were the last people you'd expect to be involved in anything strange or mysterious, because they just didn't hold with such nonsense.
O🍆 Sr.🍆 e a🍆 Sra.🍆 Dursley, da🍆 rua🍆 dos🍆 Alfeneiros🍆, nº🍆 4, se orgulhavam de dizer que eram perfeitamente normais, muito bem, obrigado🍆. Eram as🍆 últimas🍆 pessoas🍆 no🍆 mundo🍆 que se esperaria que se metessem em alguma🍆 coisa🍆 estranha🍆 ou misteriosa🍆, porque simplesmente não compactuavam com esse🍆 tipo🍆 de bobagem🍆.
Agora temos duas berinjelas em inglês contra 22 em português na mesmíssima passagem de J. K. Rowling (seria porque agora ela é xingada de “transfóbica”?). Mais uma vez, a maior parte da marcação de gênero na nossa língua não está em pronomes.
Na língua portuguesa, o feminino é o gênero marcado, enquanto o masculino não é marcado e pode atuar como neutro, por isso a generalização masculina no plural e o singular padrão masculino. Interpretações tortas de que essas práticas linguísticas são machistas são tão boas quanto se alegar que a língua é ginocêntrica e misândrica ao tratar o feminino como gênero especial para marcação. Podemos jogar todas essas interpretações fora, tanto as feministas quanto as antifeministas, pois gênero gramatical não é, nem deveria ser, tratado como intercambiável com sexo. Mesas não têm vagina, um banco não tem pênis, uma pessoa não é sempre uma mulher e um ser humano não é sempre homem.
A questão do gênero dos pronomes reflete mais de meio século de confusão criada por ativistas dentro da academia que tomaram “gênero” da linguística, que é uma categoria de substantivos que rege as regras gramaticais em torno deles, e aplicaram em “sexo” como sinônimo ou substituto que presume saber qual parte de ser homem ou mulher é atribuível apenas à cultura e não à biologia (spoiler: não sabem).
Voltando ao suposto efeito de se respeitar pessoas trans, também é ilusório porque a esmagadora maioria das pessoas trans querem ser ela ou ele nas conversas em português. Melhor: todas elas querem, pois não faz sentido tratar supostas pessoas “não-binárias” como trans, já que transicionar pressupõe que se passa de um estado A para um estado B, não que se fica no meio do caminho.
Enquanto temos estudos que ancoram a transexualidade na realidade biológica, ao menos em parte (como comentei na Gazeta do Povo), não temos estudos que façam o mesmo para a tal identidade “não-binária”, que tem toda cara de ser uma mera moda ideológica. Quem rejeita a ideologia identitária tem todo direito a se recusar a usar vocabulário que só serve para as crenças alheias e não as suas próprias. Isso inclui os planos de introduzir no português um suposto novo gênero neutro. Nem mesmo os adeptos da ideologia conseguem ser consistentes com essa tentativa unilateral de reforma da língua, como se vê neste aviso a calouros de uma universidade. Faz-se o exibicionismo moral no supostamente neutro “bem-vindes”, mas logo se escorrega em “calouros”, “dos alunos” etc.
Não conseguem porque fazer uma língua é uma tarefa intergeracional que envolve toda a comunidade dos falantes, não planos mirabolantes de uma minoria de ativistas. (Aqui, lembro-me do argumento do conhecimento de Friedrich Hayek sobre o fracasso do planejamento central da economia.) Esse legado é de clareza na comunicação, não de tentativa de inferiorizar o feminino ou exaltar o masculino, dado que é impossível que todos os falantes construtores da língua sejam ou tenham sido vilões misóginos. Alegar o contrário não é apenas (como demonstrado acima) ignorância da língua, mas um vilipêndio contra nossos ancestrais culturais.
Eli vc eh foda vai tomar no seu cu. Texto muito bom!
Texto Sensacional. Principalmente a última frase.