Livro de Thomas Sowell no Brasil tem notas de revisor técnico "defendendo" a União Soviética
"União Soviética jamais foi comunista, parando no estágio do Socialismo", disse o Laion Azeredo em "nota do revisor técnico".
Eu tenho o Basic Economics do grande economista de formação e filósofo por mérito Thomas Sowell em edição eletrônica, mas ainda não li todo. Nonagenário, Sowell é um dos pensadores mais originais do mundo na área. Ele oferece a própria teoria do pensamento político, abandonando direita vs. esquerda e propondo visão trágica vs. visão dos ungidos, não exatamente no lugar, mas como uma grande dicotomia alternativa baseada em como os adeptos enxergam a natureza humana. Eu já usei a teoria dele em vários textos, e cunhei o termo algoritmo de Sowell para o modo como se comportam os ungidos nos problemas sociais que eles buscam solucionar. Até pensadores progressistas como Steven Pinker respeitam e citam Sowell.
Um seguidor meu me chamou a atenção no ano passado para um potencial problema na quinta edição brasileira da Alta Books (2018) de Economia Básica: notas de um “revisor técnico” abelhudo que fez, aparentemente, correções ideológicas no livro do Sowell. Chamar um revisor técnico já é, penso, audácia suficiente. Como se Sowell fossem algum tipo de economista novato dando orelhadas no que não entende.
Meu seguidor me mandou fotos das notas do revisor técnico (NRTs) escritas por um Laion Azeredo. Eu conferi na edição eletrônica citada e as notas também estão lá.
No capítulo 2, Sowell abre falando que diferentes sistemas econômicos fazem escolhas diferentes a respeito de como alocar recursos escassos. Ele dá como exemplo o feudalismo, depois cita, sem crítica no trecho, “sociedades comunistas do século XX, tal como a União Soviética”. E aqui Laion intervém com sua primeira NRT:
NRT: O autor cita a União Soviética e economias semelhantes do século XX como sendo comunistas. Isso é impreciso. Na verdade, o comunismo, segundo Karl Marx, economista e grande teórico acerca do comunismo, é um sistema econômico no qual todos os trabalhadores são donos das habilidades, ferramentas e matérias-primas necessárias à produção e, consequentemente, não haveriam mais classes sociais explorando o trabalho de outras. Mas esse estágio só seria alcançado depois de se passar por uma fase transitória chamada Socialismo, no qual um Estado comandado pelos trabalhadores centralizaria a propriedade de todos os recursos para posteriormente distribuir. Sendo assim, a União Soviética jamais foi comunista, parando no estágio do Socialismo. (Locais do Kindle 692-697.)
Para quem achar que isso realmente é uma mera “nota técnica” e não uma opinião, talvez um pouco de contexto ajude. Sowell já foi marxista, e nem mesmo ter aulas com o liberal Milton Friedman o dissuadiu. Mas, ao ver como dava errado a intervenção estatal no campo do emprego, quando ele foi trabalhar em um órgão estatal dedicado a isso, ele percebeu que estava em erro. Imagine se Sowell soubesse dessa nota técnica elogiando Marx como “grande teórico”, negando que a União Soviética é comunista por causa de uma distinção que marxistas adoram fazer para se distanciarem da responsabilidade de suas ideias de igualdade material de resultados das tragédias que aconteceram por lá e insistirem que “comunismo nunca foi tentado”. Aposto que ele não gostaria nem um pouco e consideraria um desrespeito.
Quem acha que Laion não está no mínimo sendo simpático ao socialismo/comunismo nesta nota, na minha opinião é ingênuo. Na nota seguinte, ele insiste na distinção que, como dizem os britânicos, consiste em “catar lêndeas”.
NRT: Mesma ressalva da NRT 1 sobre as diferenças entre socialismo e comunismo. No caso, a China é uma economia Socialista. (Locais do Kindle 698-699.)
Já esta afirmação eu vou apostar que é falsa. Até onde estudei o assunto, a China explicitamente abriu sua economia depois do retumbante fracasso do que se poderia chamar de “economia socialista” (por que o S maiúsculo, Laion?), por exemplo nas comunas agrárias, que os americanos já sabiam que davam em desastre desde que os primeiros colonos do país tentaram algo praticamente idêntico. Resultado nos dois casos: fome. Isso, com o perdão do trocadilho, é economia básica. O problema se chama tragédia dos comuns, o que eu acho uma tradução ruim para tragedy of the commons (proponho tragédia da partilha). Em resumo grosseiro: o que é de todo mundo não é de ninguém, ninguém cuida, e acaba mal. O que é de propriedade de indivíduos é comparativamente mais bem cuidado, não só quando a sobrevivência do indivíduo depende desse cuidado, mas também por outros motivos, como competição com o vizinho para mostrar que faz melhor.
Procurei Laion Azeredo e parece que é este cara. Fez graduação na mesma época que eu (2005-2009). É um jovem, até onde eu posso ser chamado assim aos quase 36 anos. Não basta o desrespeito ao economista mais experiente que, ao contrário do que ele deve pensar, sabe mais que ele de marxismo, socialismo, comunismo e demais distinções pedantes. Tinha que ter desrespeito aos mais velhos, também.
Acho que vou comprar esse livro, apesar disso.