Lendo e rindo do texto "rowlingiano" da Djamila Ribeiro na Folha
Não encontrei jeito melhor de voltar ao Substack que apontar e rir
Estava eu pensando em como voltar a publicar no Substack. Trabalho publicando matérias e artigos (descobri no trabalho que, em jornal, “artigo” é opinião e “matéria” é texto noticioso), mas há certo tipo de texto cujo lugar é aqui. Este é um deles. Eu vou ler uma coluna da mestra em filosofia Djamila Ribeiro, musa do identitarismo nacional. Eu a menciono, também, no meu capítulo do livro A Crise da Política Identitária, que saiu pela TopBooks no mês passado (Amazon | TopBooks). Então podem dizer que tenho uma obsessão pela Djamila, não me importo. Ela é mesmo fascinante.
Djamila está sendo no momento cancelada por causa do texto, que saiu ontem na Folha de São Paulo. Uma conta chamada Coacci no Twitter, por exemplo, que se diz “bixa, cientista político e ativista queer” (será que é grave?), escreveu um longo e chato fio, com mais de três mil likes, criticando a coluna: “O texto novo da Djamila é péssimo”, reclama Coacci. “É um amontoado de parágrafos sem sentido, que viola a lógica básica”, ao que eu pergunto só o novo? 🤭 E aí vem a parte do pecado contra a seita identitária: “…e termina por legitimar transfobia”. Oh, não! Não legitimar! Causar, estimular, incitar, provocar tudo bem, mas legitimar? Oh, the humanity!
Vamos ao DJ da questão. Comecemos analisando o texto pelas estatísticas. Sabe o clichê identitário “como [identidade oprimida], digo que…”, que nada mais é que uma mal velada carteirada de autoridade? Pois então: Djamila faz isso quatro vezes: “me senti profundamente incomodada, tanto como mulher quanto como teórica feminista” (profundamente?? Oh não, não profundamente! Só incomodada tudo bem, mas profundamente já é desumano!), “Como mulher” (de novo, mas asseguro que ela não é lésbica) e “Como feminista negra”. Por que ela está tão incomodada? Uai, porque seus siblings in arms identitários estão usando expressões orwellianas como “pessoas com mamas” no lugar de “mulheres”. Eu ia dizer brothers in arms, mas a palavra neutra para irmão em inglês é sibling, e toddys merecem ser incluídes.
Ela começa o texto falando vagamente que viu isso nas redes sociais. Pelo visto ela continua viciada em Facebook e Instagram desde que apareceu com uma turba no meu perfil para me cancelar em 2015 porque eu critiquei um trecho tolo de um artigo dela em que ela atacava a biologia. Fiz até um gif dele (eu avisei que sou obcecado).
Apropriado colocar o gif aqui porque, mais uma vez, Djamila recorre à Simone de Beauvoir para alegar que essas novas expressões tipo “pessoas que menstruam” e “pessoas que gestam” seriam sexismo biológico. Ah, pronto. Como sempre, é culpa da biologia. Ela teve alguma professora carrasca de biologia que bateu nela com uma cobra empalhada? Só pode.
É interessante que a categoria homem segue intocável — não há publicações se referindo a eles como "pessoas que ejaculam", por exemplo.
Não há? Não teria tenta certeza. De qualquer forma, explico por que não haveria, ou seria mais raro: é que os homens não têm um aparato midiático-universitário obcecado com a identidade deles, exceto para falar mal deles com termos como “masculinidade tóxica”. Existem até ativistas que tentam emplacar o termo “masculinismo”. Mas nós, aqui em cima do muro, não gostamos de movimentos identitários de um lado nem de outro.
Eu tive uma fase em que eu me dizia feminista. Quem me despertou desse sono dogmático foram os filósofos Janet Radcliffe Richards, Susan Haack e David Benatar, a estudiosa de literatura brasileira Daphne Patai e, especialmente, a historiadora Helen Pluckrose (leiam este texto dela que traduzi), que é minha amiga e autora de best-seller crítico ao identitarismo. Em suma, não tem como ser “pela igualdade” um movimento que já começa ferindo a igualdade em seu próprio nome. A melhor definição de feminismo que já vi, que deveria substituir a dos dicionários (pois é o uso que faz o significado, e os dicionários ferem esse princípio para agradar ativistas), foi a do economista Bryan Caplan: “a posição segundo a qual a sociedade geralmente trata os homens de forma mais justa que as mulheres”. É neutra, simples e reflete exatamente a crença das feministas — inclusive as partes em que está errada.
Voltando à Ribeiro:
Historicamente, as feministas negras refutam a universalidade da categoria mulher trazendo a reflexão da necessidade de nomear as diferentes possibilidades de ser mulher.
Essa deve ser a frase mais djamilística do texto inteiro. Uma pessoa influenciada pela ilogicidade do pós-modernismo e da “teoria” “crítica” falando que refuta alguma coisa, ou seja, que mostra terminantemente falsa pela via da lógica, é de uma ironia deliciosa. Se “mulher negra” é algo que “refuta” a universalidade da categoria mulher, “sorvete de pistache” refuta a universalidade da categoria “sorvete”. Nem de longe a cor da pele de uma mulher afeta as condições pelas quais ela é mulher, que são condições neurobiológicas. Essas condições podem ou não mostrar que mulheres trans são como as outras mulheres onde mais importa, mas é cedo demais para dizer, precisamos de mais pesquisa, não de mais lacração identitária. Recomendo ouvir o episódio do meu podcast Tôblock a respeito da transexualidade, gravado na companhia da minha amada e saudosa Ágata.
Como deve ser obrigatório para ela, Djamila faz propaganda do conceito identitário da “interseccionalidade”. É só a ideia de que, se você é mulher e sofre com o machismo, é negra e sofre com o racismo, sofrerá mais ainda se for as duas coisas ao mesmo tempo (intersecção). São só as olimpíadas da opressão expressadas em linguagem rebuscada e pomposa de acadêmico que detesta ciência. Só isso. O problema com a ideia é que não se pode estabelecer a verdade disso a priori, só empiricamente, e não há garantia nenhuma que a realidade reflita os dogmas dos identitários sobre como ela é. Leiam este fio meu no Twitter a respeito (também disponível no meu canal no Telegram).
Já vou parar, antes que eu escreva um livro no limite da definição da Unesco para livro, como os panfletinhos publicados pela Djamila que viraram best-sellers graças ao analfabetismo nacional. Recomendo as resenhas da Bruna Frascolla sobre o Pequeno Manual Antirracista, além do texto dela sobre a outra vez em que a Djamila foi cancelada pelos seus coleguinhes por fazer propaganda de marcas de luxo.
Até eu me canso da minha obsessão, pois além de fascinante ela é, sobretudo, cansativa.
O trecho que resume tudo: "como os panfletinhos publicados pela Djamila que viraram best-sellers graças ao analfabetismo nacional". Triste. Adoro o texto da Bruna. Também o recomendei no https://aniliquajo.blogspot.com/2021/10/identitarismo-uma-ma-ideia-atualmente.html meu blog.