"Ausência de evidência não é evidência de ausência". Eu concordo com esta proposição. Mas o que seria uma evidência de ausência, Eli?
No livro "A perigosa ideia de Darwin", o filósofo Daniel Dennett [interrompemos nossa programação para fazer um informe publicitário: Dennett é membro emérito da Liga Humanista Secular do Brasil] aponta três instâncias, se me lembro bem, para julgar a existência de qualquer coisa.
Primeiro, devemos analisar sua consistência (ou cogência) lógica. Não há consistência lógica num quadrado redondo, ou num par de peças em que ambas estão sempre à direita uma da outra.
Um unicórnio viola esses princípios da lógica do senso comum? Não. Então, a julgar apenas pela lógica, não podemos decidir se unicórnios existem, mas podemos saber que consistência lógica não é suficiente, embora seja necessária, para estabelecer a existência de unicórnios.
Em segundo lugar, devemos ver se o objeto concebível cuja existência está sendo testada viola ou não as leis fundamentais do universo descoberta pelos físicos.
Unicórnios violam leis da física? Depende do conceito de unicórnio. Se você diz que seu unicórnio converte toda a energia do que ele come em trabalho, sem nenhum desperdício, eu vou ter problemas para acreditar nisso porque seria uma violação das leis da termodinâmica. Neste segundo princípio, eu posso aceitar como fisicamente possível que seu unicórnio coma cogumelos Psilocybes e transforme toda a energia deles em lindos galopes pelos campos da Irlanda, arco-íris que ele emana pelo reto, e relinchos que soam melhor que as sinfonias de Beethoven. Mas não posso aceitar que ele faça isso como uma máquina térmica com 100% de eficiência.
Depois do princípio da consistência lógica e do princípio da possibilidade física, há o princípio da evidência.
É aqui que entra a frase de Carl Sagan: "ausência de evidência não é evidência de ausência".
Se seu unicórnio não viola a lógica nem a física, eu não tenho dados suficientes para afirmar que ele não existe, mas você também não tem dados suficientes para me convencer de que ele existe. O número de entidades concebíveis que respeitam os princípios 1 e 2 é astronômico, só uma minoria evanescentemente pequena dessas entidades pode existir.
Para me convencer de que os unicórnios existem, você deverá ter evidências como um fóssil ou crânio fresco de equídeo apresentando um magnífico corno se projetando da sutura entre os ossos frontais. Sem evidências como esta, me reservo o direito de não acreditar em sua asserção de que unicórnios existem, mas... não posso afirmar com certeza que unicórnios não existem, porque ausência de evidência não é evidência de ausência.
O que seria evidência de ausência (era esta a tua pergunta e até agora estou enrolando pra responder)?
Inconsistência lógica e violação das leis da física são evidências de ausência. Outro tipo de evidência de ausência, eu diria, é a improbabilidade. Não posso dizer que unicórnios não existem, mas posso dizer, com meu expertise de biólogo, que jamais foi observado estrutura de chifre ou corno em espécies de equídeos, fósseis ou viventes, por isso considero improvável, com base nesta ausência e com base no estado da arte da mastozoologia, que exista qualquer unicórnio na superfície deste planeta - uma espécie de equídeo apresentando um corno cefálico frontal como característica normal (mutantes não contam!).
Há variás evidências de ausência do deus dos cristãos. Para começar, ele é logicamente inconsistente se for definido como onipotente, onisciente e onipresente. O paradoxo da pedra demonstra isso. Em segundo lugar, a ideia de milagres feitos por esse deus são a definição de violação de leis físicas - milagres não existem por definição para qualquer racionalista (como Hume). E em terceiro lugar, os cristãos esperam que este deus possua propriedades mentais tipicamente humanas como moralidade, planejamento e concepção de propósitos, características que demoraram milhões de anos para aparecer em nós, são contingentes (não aconteceriam da mesma forma que pudéssemos fazer um "rewind" da História). Essas condições de improbabilidade e contingência são compartilhadas por qualquer outra característica biológica única como a cauda do pavão e a tromba do elefante. Logo, crer que deus tem uma mente é equivalente a crer que deus tem uma cauda de pavão ou uma tromba de elefante, para os efeitos históricos de esperar que mente, cauda e tromba apareçam numa entidade fora deste planeta. Se uma mente limitada e cheia de gambiarras neurais como a nossa (Leia "Kluge" de Gary Marcus) é uma entidade que precisa de condições contingentes e cosmicamente improváveis no cosmos, uma mente perfeita, onipotente e onisciente tem de ser muito mais improvável.
Num "jackpot" do cassino das evidências de ausência, o deus dos cristãos é um dos poucos conceitos que violam todos os três critérios de avaliação de existência de entidades.
Isso significa que eu acredito, sim, ter "evidência de ausência" para este conceito, e para outros como o unicórnio.
Carl Sagan cunhou esta máxima quando respondia à questão de existirem extraterrestres. Não temos nenhuma evidência de que há vida extraterrestre, porém, ausência de evidência não é evidência de ausência.
E de fato não temos evidência de ausência de vida extraterrestre. Na verdade temos motivos para esperar evidências de presença. Pode-se ver a coincidência da composição de nossos corpos e a composição da maior parte da matéria do universo como uma leve evidência de que há presença de vida fora da Terra.
Carl Sagan também disse que alegações extraordinárias requerem evidências extraordinárias. Por isso chamei a evidência acima de "leve" - ela não é suficiente para afirmar que há vida extraterrestre, mas é necessária.
Todas as evidências de caráter probabilístico são assim - necessárias, mas não suficientes para fazer afirmações com certeza. E é por esta razão, entre outras, que certezas são inatingíveis quando se trata de afirmações sobre o mundo exterior.
Abraço Pergunte-me qualquer coisa.