Coordenadora do Comitê Gestor da Internet, que censurou meu site, fez lobby pelo PL da Censura
Renata Vicentini Mielli tem perfil de militante e fez campanha pelo projeto de lei rejeitado pela população
Podem me xingar de “direitista” ou “bolsonarista” o quanto quiserem, mas o fato é que o projeto de censura a “fake news”, “desinformação” e “discurso de ódio” é uma moda ideológica que pertence completamente ao progressismo, seja na versão mais moderada, seja na versão identitária que começou a enfraquecer depois de um reinado de uma década.
A cronologia da história recente é muito clara: movimentos populistas nacionalistas, descontentes com elites, fizeram o Brexit no Reino Unido em 2016 (tirando o país do monstro burocrático que é a União Europeia), elegeram Donald Trump no mesmo ano nos Estados Unidos e, dois anos depois, Jair Bolsonaro no Brasil.
Em pânico, as elites diplomadas e culturais usaram de seus contatos no setor de inteligência dos EUA, e no aparato burocrático brasileiro, para empurrar a narrativa de que o populismo nacionalista não é apenas um movimento político como outro qualquer, e suas vitórias não são a esperada alternância de poder de democracias, mas uma ameaça fatal à própria democracia. E apresentaram a censura como uma arma contra ela, com a desculpa de proteger a “empatia” e a “verdade”, em um projeto maluco de dar ao Estado, o bandido estacionário, a tutela do amor e da verdade.
Essas elites também abusaram de sua dominância sobre instituições culturais para disfarçar seu projeto autoritário de censura como uma suposta área de pesquisa científica (ocupada por 85% de pesquisadores que se consideram “de esquerda”), e suas meras opiniões políticas como conclusões imparciais da análise desinteressada. Nesse processo, os valores do liberalismo clássico se tornaram seu alvo. Como a democracia depende dos valores liberais (por isso sua forma defensável é sinonimizada a “democracia liberal”), isso é como matar o paciente para se livrar do (suposto) câncer.
A democracia liberal pressupõe um equilíbrio dinâmico entre visões políticas diferentes e com frequência antagônicas. O abuso de disfarçar uma visão política de ciência para impô-la sobre as outras, censurá-las e tentar bani-las é nada menos que antidemocrático.
Introdução feita, vamos ao que interessa
Com o provável preço de perder leitores mais impacientes, considero a introdução acima salutar para tratar do tema central: a censura ao meu site satírico “Morte à Democracia”, criado com base na “sugestão” abaixo do ministro do STF Dias Toffoli.
O vídeo, de 27 de novembro, é do julgamento da constitucionalidade do Artigo 19 do Marco Civil, nossa principal lei de Internet, aprovada após amplo debate há dez anos, quando já existiam todas as principais redes sociais que hoje os progressistas querem censurar.
O julgamento é do meu interesse porque, na série de reportagens Twitter Files Brasil, eu e meus colegas
e Michael Shellenberger mostramos, entre outros absurdos, que ordens de censura, principalmente do ministro Alexandre de Moraes, quando presidente do TSE, estavam violando este exato artigo desta exata lei. Não era nossa opinião, era isso o que diziam membros do departamento jurídico do Twitter.Como começou nossa parceria? Com este e-mail abaixo, que mandei para Shellenberger em maio de 2023, preocupado com o PL 2630/2020 (“PL das Fake News” para defensores, “PL da Censura” para críticos), que tinha sido votado em regime de urgência e era muito draconiano em estabelecer mais restrições à nossa já mambembe liberdade de expressão no Brasil.
O PL 2630 terminou arquivado pelo presidente da Câmara dos Deputados, com um osso atirado aos autoritários de que haveria “mais debate”. O Partido dos Trabalhadores, não satisfeito, lançou seu próprio projeto de lei, o PL 4144/2024, que mostrei que (como o outro projeto) tem muitas semelhanças com a Lei de Imprensa da Ditadura Militar. A lei da ditadura também dava ao Estado a tutela da verdade.
O contexto acima, portanto, explica que por razão eu resolvi comprar ainda no dia 27 o domínio “morte à democracia ponto com ponto br”. Como termina em “ponto br”, não há como escapar do governo brasileiro. Eu sabia disso, e era parte do meu ponto: era um teste de liberdade de expressão. Eu preenchi o site com títulos e trechos de 19 reportagens e editoriais do Brasil e do mundo que mostrariam (fica a cargo do leitor decidir) que quem está matando a democracia no Brasil é o Supremo Tribunal Federal, que expandiu seus próprios poderes para censurar em 2019, e fez a primeira censura com os novos poderes sobre uma reportagem que implicava o nome de Dias Toffoli no maior escândalo de corrupção da história do país (talvez do mundo).
Lancei o site por volta de 1h30 da manhã do dia 28. Ele durou apenas 16 horas. O Comitê Gestor da Internet (CGI; órgão interministerial responsável por Nic.br e Registro.br) censurou o domínio “morteademocracia.com.br”. O nome oficial da censura é “congelamento”. O endereço do site continua entre os que comprei, mas não posso fazer nada com ele.
Uma distinção importante: eu jamais hospedei o site no Brasil, pois sei em que país estou. Somente o domínio ou endereço do site, porque Toffoli mencionou o “ponto br”, está nas mãos do CGI.
Por isso, o arquivos do site ainda existem, e ele ainda está no ar porque eu o migrei para o domínio internacional morteademocracia.censuranao.com (criei o censuranao.com para abrigar um abaixo-assinado contra a censura feito após os Twitter Files). Para continuar o teste de liberdade de expressão, também incluí o endereço alternativo nacional amigodoamigodomeupai.com.br.
A resposta do Comitê Gestor da Internet
Após a repercussão do caso em veículos como a revista Oeste e a revista Crusoé, além do programa Papo Antagonista de Felipe Moura Brasil, o CGI soltou uma nota por volta de 21h do dia 29 sobre o caso do “congelamento”.
Por que meu domínio satírico foi congelado? O CGI não citou lei, mas uma resolução própria que diz que “não poderá ser escolhido nome que desrespeite a legislação em vigor” (qual lei meu domínio violou? Ele não diz); “que induza terceiros a erro” (meu site deixa claro em letras garrafais que ele não existe para chamar pelo fim da democracia); “que represente palavras de baixo calão ou abusivas” (não podemos mais falar “morte”?); “ou que incida em outras vedações que porventura venham a ser definidas pelo CGI.br.”
Em outras palavras, qualquer domínio terminado em “.br” pode ser removido a qualquer momento, por qualquer motivo que ofenda as sensibilidades subjetivas de burocratas que integram o comitê e não respondem a nenhum eleitor. Isso não é coisa de uma democracia séria, em que manda a lei, mas de uma república de bananas, em que burocratas fazem sua subjetividade valer sobre a liberdade de cidadãos comuns.
Eu critiquei no X a nota, disse que ela não me deu a razão exata da censura, e também comentei que nem falaram em devolver o meu dinheiro. Em pleno sábado, 30 de novembro, ao meio dia, o CGI me mandou mais um email de teor pouco profissional pedindo a mim uma chave pix para devolver meus R$ 40,00.
Aqui está minha resposta aos burocratas: eu não quero devolução do meu dinheiro. Se eu aceitar dinheiro de volta, significa que estou desistindo da propriedade do “morteademocracia.com.br”. Não estou desistindo! Este site é meu, e vocês tiraram de mim sem base em lei, de forma arbitrária, abusiva e autoritária. A única coisa que vocês têm que me devolver é meu direito constitucional à liberdade de expressão, artigos 5º e 220 da Constituição.
Se acham que seu congelamento vai ser o fim da história, estão muito enganados.
Quem é a Coordenadora do Comitê Gestor da Internet
Acima, eu disse que militantes de uma nova ideologia de censura antipopulista se infiltram em instituições para impor sua vontade, mesmo quando o povo expressa rejeição a seus planos, como aconteceu com o PL da Censura.
Temos mais uma prova disso: Renata Vicentini Mielli, coordenadora do CGI, se comportou como uma lobista a favor desse projeto. Eis a opinião do jurista especializado em liberdade de expressão André Marsiglia sobre o PL 2630, que ele escreveu em janeiro de 2024:
“O PL não conceitua fake news, nem desinformação, nada. Apenas transfere para as big techs a obrigação de combater discursos ilícitos. Mas o que é discurso ilícito? O projeto não diz. Óbvio que em meio à subjetividade, por medo de multa e com receio de errar, as empresas vão tirar do ar muito mais conteúdo do que devem. Ou seja: censura. A chave da censura nas redes sai da mão do Estado para as plataformas. O PL privatiza a censura.”
Marsiglia, aliás, foi advogado da revista Crusoé quando ela foi censurada por Moraes a mando de Toffoli em 2019, já no contexto da expansão de poderes do STF.
Mielli sempre pensou diferente disso.
“Existe um senso comum na sociedade brasileira, muito conveniente para o mercado financeiro, para o setor empresarial, de que qualquer regulação é um obstáculo para o livre desenvolvimento da personalidade, seja ela física ou jurídica”, disse a burocrata em entrevista ao canal da Revista Fórum, em 18 de abril de 2023, quando era nova no cargo.
Por que mais regulação era necessária, quando já existem o Marco Civil e a Lei Geral de Proteção de Dados? Ela não explica. “Todos os setores da economia são regulados, também o setor da Internet precisa contar com algum grau de regulação”, afirmou Renata Mielli, que estava anunciando uma consulta pública na época para “debater” a questão. No mês seguinte, o PL foi posto em votação em regime de urgência. Regime de urgência é compatível com amplo debate?
O PL das Fake News “ganhou um novo contorno a partir do 8 de Janeiro”, disse a gestora da Internet, na mesma entrevista. “Eu vejo este projeto como um primeiro passo no debate regulatório”, continuou.
Se alguém acha que a gestora estava sendo apenas neutra no debate do projeto de lei, outras manifestações deixaram claro de que lado ela estava. No NIC.br, o CGI reproduziu uma reportagem do Portal Vermelho em que Mielli disse que “Há uma convergência de visões no Comitê Gestor da Internet sobre a necessidade de termos uma legislação para definir parâmetros e obrigações bastante claros para a operação destas plataformas digitais no Brasil”. O Marco Civil e a LGPD não são legislação suficiente por quê? Ela não diz.
Os liberais e libertários que não querem mais regulação se sentiram bem-vindos nos “debates” promovidos por Mielli em sua gestão da Internet? Como poderiam se sentir bem-vindos, se ela diz coisas como “precisamos não só avançar no debate, mas aprovar essa legislação”?
Será que ela pode ter participado até da redação do projeto de lei de censura? Eu não duvidaria.
É o velho truque de tentar impor uma opinião política na forma de lei sobre a população que discorda dessa opinião, sob a camuflagem mal montada de “fomentar o debate”. Uma completa fraude antidemocrática travestida de democracia.
E cuidado, que não parece que Mielli vai ficar satisfeita na “regulação” das redes sociais. Naquela entrevista da Fórum, ela disse “e os 4chans da vida? E os games? Sem querer atacar a cultura gamer, que é super importante, tem um ambiente de determinados games que são um embrião para aliciar crianças e jovens para ir para outros ambientes. Essa desinformação, esse discurso de ódio, essa violência são multiplataforma”.
Três meses depois da entrevista, mostrei em reportagem que o governo Lula, quando tentou usar assassinatos de crianças em escolas para fomentar o PL da Censura, usou um relatório da empresa de consultoria Topikós que avançava a tese anticientífica de que games causam violência.
Mordaça, síndrome de superioridade moral, planos mirabolantes de controle. É este o “progresso” que o “progressismo” tem a oferecer para a nossa praça pública virtual.
P.S.: Em 30 de agosto de 2024, quando Alexandre de Moraes iniciou uma censura de 40 dias contra o X em todo o território nacional, Mielli foi no veículo pró-governo e de extrema esquerda ICL Notícias, defendeu a censura e alegou que ela estava de acordo com o Marco Civil. O Artigo 19 do Marco Civil, que o STF está prestes a derrubar, não permite o banimento de perfis inteiros, somente de conteúdo infringente. Foi por resistir a ordens ilegais de banimento de perfis que o X foi censurado no Brasil.
O avanço da censura é assustador, vivemos sobre a sombra constante da espada do supremo. E o pior nem sabemos ao certo o que é permitido ou não falar, tudo depende do humor de algum burocrata ou juiz. Uma democracia sem liberdade de expressão? É como um carro sem rodas, até existe mas não serve para o propósito para o qual foi criado. É apenas um dispositivo mutilado. Nominalmente ainda é um carro, mas ao invés de movimentar as pessoas, imobiliza.
Fantástico!