Biólogos prestes a criar nova forma de vida
traduzido de Wired Science
Uma equipe de biólogos e químicos está perto de trazer matéria inerte à vida.
Não é tão frankensteiniano quanto parece. Em vez disso, um laboratório liderado por Jack Szostak, um biólogo molecular da Harvard Medical School, está construindo modelos simples de célula que quase podem ser chamados de vida.
As protocélulas de Szostak são construídas de moléculas lipídicas que podem reter pedaços de ácidos nucléicos que contêm o código-fonte para a replicação. Combinadas com um processo que obtém energia externa a partir do sol ou de reações químicas, elas poderiam formar um sistema auto-replicante e em evolução que satisfaz as condições da vida, mas não é nada como a vida na Terra agora, mas poderia representar a vida como ela começou ou poderia existir alhures no universo.
Enquanto seu último trabalho permanece sem publicação, Szostak descreveu um novo sucesso preliminar em fazer se replicarem as protocélulas contendo informação genética na XV Conferência Internacional sobre a Origem da Vida em Florença, Itália, semana passada. A replicação não é totalmente autônoma, então não é tanto vida artificial ainda, mas é o mais perto que alguém já chegou de transformar substâncias químicas em organismos biológicos.
"Nós fizemos mais progresso em como a membrana de uma protocélula poderia crescer e se dividir", disse Szostak numa entrevista por telefone. "O que podemos fazer agora é copiar um arranjo limitado de seqüências genéticas simples, mas precisamos conseguir copiar seqüências arbitrárias de modo que as seqüências possam evoluir para fazer algo útil."
Fazendo "algo útil" pela célula, esses genes lançariam a nova forma de vida pelo caminho evolutivo darwiniano similar ao que deve ter sido trilhado por nossos ancestrais viventes mais antigos. Todavia é impossível saber aonde a pressão seletiva levará a nova forma de vida.
"Uma vez que tenhamos um ambiente replicativo, esperamos determinar experimentalmente o que pode evoluir sob essas condições", disse Sheref Mansy, um antigo membro do laboratório de Szostak e agora um químico da Universidade de Denver.
O trabalho com protocélulas é ainda mais radical que o outro campo que tenta criar vida artifical: a biologia sintética. Mesmo o trabalho de J. Craig Venter para construir uma bactéria artificial com o menor número de genes necessário para viver toma as formas vivas atuais como modelo. Os pesquisadores de protocélulas estão tentando projetar uma forma completamente nova de vida que humanos nunca viram e que podem nunca ter existido.
Durante o verão, a equipe de Szostak publicou grandes trabalhos nos periódicos Nature e Proceedings of the National Academy of Sciences [PNAS] que seguem um longo percurso em mostrar que isso não é apenas uma idéia e que seu laboratório será o primeiro a criar vida artificial - e que isto acontecerá em breve.
"O que ele espera é que terá um sistema auto-replicante completo em seu laboratório no futuro próximo", disse Jeffrey Bada, um químico da Universidade da Califórnia em San Diego que ajudou a organizar a conferência da Origem da Vida.
A vida moderna é muito mais complexa que os sistemas simples com que Szostak e outros estão trabalhando, então as protocélulas não se parecem em nada com as células que temos em nossos corpos ou com a E. coli geneticamente modificada de Venter.
"O que estamos observando é em um aspecto a origem da vida, e o outro aspecto é a vida como uma pequena nanomáquina no nível de uma única célula", disse Hans Ziock, um pesquisador de protocélula do Los Alamos National Laboratory.
A função da vida, como uma nanomáquina simples, é apenas usar energia para guiar substâncias químicas de modo a fazer cópias de si mesma.
"Você precisa se organizar de um modo específico para ser útil", disse Ziock. "Você pega energia de um lugar e a transfere para um lugar onde ela geralmente não quer ir, então pode de fato organizar as coisas."
As células modernas realizam esse feito com uma quantidade imensa de maquinário molecular. Na verdade, algumas das sínteses químicas que simples plantas e algas podem realizar ultrapassam em muito tecnologias humanas. Mesmo as formas mais primitivas de vida possuem máquinas de proteína que permitem-nas importar nutrientes através de suas complexas membranas celulares e construir as moléculas que levam adiante o propósito da célula.
Esses componentes especializados levaram muitas, muitas gerações para evoluir, disse Ziock, então a primeira vida teria sido bem mais simples.
Que forma essa simplicidade teve tem sido objeto de debate intenso entre cientistas que estudam a origem da vida se estendendo ao trabalho pioneiro de David Deamer, professor emérito da UC-Santa Cruz.
No que os pesquisadores mais concordam é que a primeira vida funcional teria tido três componentes básicos: um envoltório, um modo de colher energia e um portador de informação como o RNA ou outro ácido nucléico.
O trabalho anterior de Szostak mostrou que o envoltório provavelmente tinha a forma de uma camada de ácidos graxos que podiam reunir-se espontaneamente por causa de sua reação à água (ver vídeo). Uma ponta do ácido é hidrofílica, o que quer dizer que é atraída pela água, enquanto a outra ponta é hidrofóbica. Quando os pesquisadores põem muitas dessas moléculas juntas, elas circulam juntas contra a água e criam vesículas.
Essas membranas, com a mistura química correta, podem permitir que ácidos nucléicos entrem [na vesícula] sob algumas condições e mantê-los retidos em outras.
É assim aberta a possibilidade de que um dia, no passado distante, uma molécula errante parecida com o RNA entrou em [uma vesícula de] ácido graxo e começou a se replicar. Este evento aleatório, através de bilhões de repetições evolutivas, acreditam os pesquisadores, criou a vida como a conhecemos.
Num trabalho publicado neste mês no PNAS, Mansy e Szostak mostraram que as membranas especiais, essencialmente bolhas lipídicas, ficam estáveis sob uma variedade de temperaturas e poderiam ter manipulado moléculas como o DNA através de ciclos termais simples, justamente como os cientistas fazem em máquinas de PCR [Reação em cadeia de polimerase].
Toda a linha de pesquisa, entretanto, leva à pergunta: de onde viria o DNA ou qualquer outro material portador de instruções para replicação?
Muitos pesquisadores tentaram solucionar esse problema de como moléculas similares ao RNA ou ao DNA teriam se desenvolvido a partir dos aminoácidos presentes na Terra primitiva. John Sutherland, um químico da Universidade de Manchester, publicou um trabalho ano passado demonstrando uma maneira plausível pela qual o RNA poderia ter sido criado espontaneamente no mundo prebiótico.
Uma vez que tais moléculas existissem, o laboratório de Szostak demonstrou num artigo da Nature que ácidos nucléicos podem se replicar dentro de uma protocélula.
Mas enquanto muitos cientistas concordam que o trabalho com protocélulas é impressionante, nem todo cientista está convencido de que ele contribui com uma explicação razoável para a origem da vida.
"O trabalho deles é maravilhoso na medida em que pode ser o que estão fazendo", disse Mike Russell, um geoquímico do Jet Propulsion Laboratory em Pasadena, Califórnia. "É que estou desconfortável a respeito da significância dele para a origem da vida."
Russell argumenta que as primeiras moléculas similares à vida na Terra teriam sido baseadas em compostos inorgânicos. Em vez de membrana de ácidos graxos, Russell alega que o sulfeto de ferro poderia ter provido o recipiente necessário para as células primordiais.
Mas Bada, da UCSD, apontou que é improvável que saibamos exatamente como a vida de fato começou.
"A proposição de Szostak, e como todos nós a vemos, é que é um bom modelo, mas não necessariamente significa que aconteceu dessa maneira", disse ele.
Szostak sugeriu que mesmo que a vida pudesse teoricamente ou de fato ter começado de alguma outra maneira, a hipótese de seu laboratório é (ao menos) experimentalmente plausível.
"Agora estamos bem convencidos de que o crescimento e a divisão poderia ocorrer sob condições prebióticas perfeitamente razoáveis de um modo que não é alguma construção artificial de laboratório", disse ele.
E na verdade, a possibilidade mais intrigante de todas pode ser que as protocélulas no laboratório de Szostak não representem aproximadamente as origens da vida. Se isso é verdade, seres humanos, nós mesmos o produto da evolução a partir dos organismos mais primitivos, teríamos criado uma rota alternativa para imbuir a matéria com as propriedades da vida.
"O que temos na biologia é apenas uma de muitas, muitas possibilidades", disse Szostak. "Uma das coisas que sempre emerge quando as pessoas falam sobre a vida e qualidades universais é a água. Mas a água é realmente necessária? E se pudéssemos projetar um sistema que funcionasse em outra coisa?"