Acha que evolucionismo e religião podem andar juntos?
Depende do que você quer dizer com "evolucionismo", "religião", e "andar juntos".
Se...
- evolucionismo = aceitação da teoria da evolução e entusiasmo pelo uso de seu poder explicativo em diversas áreas,
- religião = conjunto de ideias dogmáticas sobrenaturalistas em torno das quais existem tradições e ritos,
- e "andar juntos" = não contradizerem um ao outro em métodos, valores cognitivos e justificações epistemológicas,
então a resposta é:
não podem andar juntos, principalmente por causa da questão referente a métodos.
Evolucionismo tem a ver com apreciação de uma teoria científica (vinculada a uma justificação correspondentista), e religião tem a ver com a persistência de uma tradição fundada em sistemas de inferência da mente humana trabalhando sem compromissos de correspondência (vide "Religion Explained", de Pascal Boyer).
Inclusive, Pascal Boyer diz que não é objetivo da religião explicar qualquer coisa, não no mesmo sentido de explicação que é usado para uma teoria científica.
Só isso é suficiente para divorciar evolucionismo e religião.
Existem religiosos evolucionistas? Sim, muitos... mas eu, obviamente, disputo a suposta compatibilidade que alegam ter construído.
Geralmente, os assim chamados evolucionistas teístas aplicam o mesmíssimo argumento criacionista que abandonaram para as espécies biológicas, com ajustes, para as "constantes do universo" e "leis da física".
Ou seja, não dizem mais que é necessário criador para as espécies biológicas, para alegarem que é necessário criador para botar a matéria, o espaço-tempo, o universo em ordem.
Se esta argumentação fracassou para as espécies biológicas, há forte indicação que fracassará para a ordem física geral do universo.
Resultado disso: evolucionistas teístas como Kenneth Miller e Francis Collins usam do mesmíssimo expediente intelectual dos "teístas do deus das lacunas", que tanto criticam, além de usarem um argumento do desígnio, que caiu classicamente na filosofia com a obra "Dialogues Concerning Natural Religion", de David Hume, publicada em 1779.
Sem contar que estes teístas não conseguem justificar a aplicação de estados mentais tipicamente humanos (capacidade criativa, empatia, moralidade, planejamento) para o deus deles, que supostamente antecede o próprio universo.
Estes estados mentais também são resultado da evolução, e aplicá-los a um deus é tão justificado e racional quanto aplicar uma cauda de pavão, uma tromba de elefante (pobre Ganesha) ou um sonar de quiróptero (devidamente diluídos de suas propriedades mais terrenas, como fazem com o conceito da mente divina). Pergunte-me qualquer coisa.